6 de dezembro de 2011

O euro falhou, viva o Eurico | iOnline



O i, pela pena da Ana Sá Lopes, acaba de me tornar numa espécie de celebridade efémera. Quase sem querer, pela manhã, chega-me isto:

Portugal precisa do Eurico. Lisboa, Porto, Paços de Ferreira e Campo Maior precisam muito do Eurico. O Algarve, a Serra da Estrela e os Açores precisam do Eurico. Quem é o Eurico? O nome foi inventado aqui pelo meu colega de redacção António Rodrigues: o Eurico é uma espécie de parente próximo do euro, mais jovem, mais magro e também muito mais preparado para os tempos que correm.

O Eurico é uma moeda mais fraca do que o euro, o que é uma coisa boa para incentivar as exportações, a única maneira conhecida nas escolas de economia para, nos próximos tempos, aguentar a economia portuguesa, ameaçada pelo desastre e com consumo interno pouco acima do zero. O desastre, na essência, é o mesmo que ameaça o conjunto das economias europeias, com ou sem implosão do euro: a depressão profunda.

Agora que o euro falhou, viva o Eurico. As razões para o falhanço do euro são conhecidas: basicamente, decidiu-se reunir economias muito fortes e outras muito fracas sem que a união económica fosse sustentada por qualquer coisa que tivesse alguma parecença com uma união política. Estando já adquirido que, por força da sua própria história, (infelizmente) a Europa nunca funcionará como os Estados Unidos da América, a ideia do euro a duas velocidades – que tanto terror inspira em alguns dirigentes da União – pode ser uma luzinha ao fundo do túnel, uma saída aceitável para uma crise sem fim à vista.

O Eurico dava uma margem aos países frágeis para recuperarem as suas economias, com base em exportações muito mais baratas – a verdade é que, sem o Eurico, iremos continuar a fazer o chamado “ajustamento” à conta de salários cada vez mais baixos e da indignidade da espiral do desemprego sem esperança.

A Europa devia concentrar- -se no Eurico. Portugal precisa de um Eurico. A Espanha, a Itália, já para não falar da Grécia e da Irlanda, também precisam do Eurico. E não sabemos se um dia destes a França, acossada pelos mercados e pela ameaça de descida de rating da sua outrora reluzente economia, também não virá a pedir a adesão ao nosso Eurico.

A solução ontem apresentada pelo duo Merkel/Sarkozy repesca o falhado pacto de estabilidade da fundação do euro. As sanções já existiam e eram duríssimas: acontece que foram a França e a Alemanha (a Alemanha de Schroeder, mas também a Alemanha dirigida por Merkel) os primeiros países a violar o dito Pacto de Estabilidade. Não houve sanções para esse duo dinâmico. Abaixo a moeda esquizofrénica que, na iminência do seu colapso, vale mais do que o dólar. Viva o Eurico.

Obrigado ao i e à Ana. Boas Festas, muitos Euricos na vida!

2 de novembro de 2011

Num mundo melhor III

(Parthenon, Atenas)

Confirmam os media esta manhã que é firme intenção (aprovada por unanimidade em Conselho de Ministros) do Governo grego submeter a referendo nacional a aprovação da aplicação das medidas de reestruturação financeira incluídas no pacto de ajuda proposto e aprovado recentemente pela União Europeia. O simples expressar da ideia, ontem, provocou um verdadeiro trambolhão nos mercados, que esta manhã já deram indícios de querer recuperar novamente, como se tudo não tivesse passado de uma crise de histeria passageira. E sabemos que não é. A própria UE já ameaçou retirar os apoios duramente negociados com Atenas há poucas semanas.

Sem pensar muito no assunto (com o risco de julgamento que tal possa acarretar) ocorre-me que os mercados atenderam ao referendo - um instrumento normal em democracia - como uma contrariedade, um obstáculo à sua realização, isto a despeito de George Papandreou ter afirmado que pretende organizar a consulta o mais rapidamente possível, ou seja, ainda durante o mês de Dezembro.

Os mercados (sempre eles) não se conformaram sequer com o anúncio da substituição das cúpulas militares, numa reação que tem sido vista como prevenção de um eventual golpe de Estado que estaria a ser preparado com o intuito de aproveitar a aparente insatisfação de 60% da população grega com as medidas constantes do pacote de ajudas e portanto como um atentado ao sistema demorático.

E no entanto, George Papandreou mais não fez que evocar o passado e, na terra onde nasceu a democracia, entendeu dar plena voz ao povo num assunto crucial que inevitavelmente marcará esta e a próxima geração de gregos. Sem (para já) dramatismos, enfrentando o risco de ter de sair do "euro" e de mergulhar a Grécia num isolacionismo económico (a exemplo do que aconteceu com a Argentina em 2001), arrastando consigo a própria União. Mas fê-lo garantindo que não haveria qualquer perturbação da ordem democrática, afastando dos quartéis a possibilidade de uma decisão que pudesse impedir a voz do povo, esperando-se que assim garantindo as indispensáveis condições de tranquilidade para a ocorrência da consulta popular. As diversas partes podem agora esgrimir argumentos num ou noutro sentido, o Governo até pode sair derrotado em referendo, mas inequivocamente a democracia sai reforçada em Atenas. Por um lado, porque dificilmente um golpe de Estado se conseguirá agora impor (falta-lhe o indispensável apoio popular, uma vez que os gregos dificilmente quererão abdicar do direito de decidirem o seu futuro) e por outro, não menos importante, a mensagem que se passa aos mercados é claramente a de que os mercados estão ao serviço da democracia e não o contrário, sendo esta um empecilho aos mercados quando não segue o seu passo, nem os seus interesses.

Evidentemente, a questão não é apenas filosófica, tanto mais quanto se coloca no seio de uma Europa espartilhada dos centros de decisão, com as suas cúpulas submetidas a interesses pouco claros, nem sempre coincidentes e não raras vezes muito divergentes até. O acertar do passo da democracia em Atenas, quanto mais não seja pelo recentrar da questão, pelo que significa, constitui uma pequena lição, à Europa e ao mundo, permite aos gregos manter a cabeça erguida e reafirma o seu pleno direito, de fazer parte desta Europa que tem a seu cargo a defesa de alguns dos mais significativos valores e princípios da humanidade.

Afinal, e nisto posso perfeitamente estar enganado, mas quer-me parecer que Papandeou e a Grécia limitam-se a salientar uma brecha importante na Europa que urge colmatar: a Alemanha e a França (ou antes: Merkel e Sarkozy) chamaram a si o poder de tomar importantes decisões que esvaziaram a a Comissão Europeia do seu poder coordenador. O referendo grego, last but not the least, vem ainda chamar a atenção para algo que tem estado a acontecer na prática: a Europa a reboque de agendas próprias da Alemanha e França, ou de pequenas exigências pontuais de outros países (de que são exemplo o inaceitável pedido de garantias feito pela Finlândia e pela Eslováquia). Neste sentido, como na sociedade de indivíduos, nesta Europa não se pretende que qualquer país se possa submeter a outro, ainda que isso possa representar um suicídio. De Atenas, onde o sinos tocaram pela democracia, chega-nos essa mensagem que, tendo feito soar alarme nos mercados (pelos motivos errados), nos devia ter tocado, como europeus de corpo e alma, muito mais profundamente.

Ainda que possa vir a ser necessário isolar a Grécia por não se conseguir evitar o seu suicídio, cabe-nos ao menos assisti-la de forma condigna na "morte" pela qual os gregos possam vir a optar e criar os mecanismos indispensáveis para isso. A solidariedade e a cooperação a que Delors aludia frequentemente, a isso obrigam.

Hoje, não sendo atenienses nem gregos, somos todos cidadãos europeus. Com tudo quanto isso representa.

5 de setembro de 2011

Num mundo melhor II

Ainda sobre Haevnen, que revisitei no fim de semana: tinha visto o filme, em excertos, em Julho e na altura interpretei-o como algo que oscila entre a vingança e o perdão, a tolerância e o seu contrário. Mas depois os noruegueses tiveram o seu 22 de julho, o mundo redescobriu a intolerância (de que se esquece de vez em quando exceto quando se manifesta dentro de fronteiras dos países do primeiro mundo) e a realidade nórdica retratada por Susane Bier saltou da película para o centro de Oslo e daí para a pequena ilha de Utoya. As tensões sociais que florescem nas franjas da sociedade (Anton e a família são suecos na Dinamarca e há sempre quem lhes recorde esse facto) transparecem nos mais pequenos detalhes do filme. O multiculturalismo, como bem sabemos desde 22 de Julho, não é uma utopia, também não é uma realidade adquirida. Pelo contrário, está em construção e num patamar menos avançado do que se pensava, para não dizer ainda embrionária.

A própria Europa, refém de uma luta de poderes, vem demonstrando isso à saciedade, permitindo a infiltração e o embaciamento por aquela luta do eterno diálogo - ou antes falta dele? - entre Norte e Sul. Onde estão, pois, o multiculturalismo, a tolerância, a social-democracia, a justiça, em última análise, a própria democracia individual, passe a redundância, de cada indivíduo na construção desse mundo melhor que Haevnen propala? É legítima a pergunta, mas não pacífica a resposta: estaremos a deixar subjugar o direito ao poder, dando razão às concepções do realismo escandinavo tal como preconizado por Miguel Reale ou Ludwig Wittgenstein, permitindo a instrumentalização dos valores em ordem à obediência ao poder, protegendo este e elevando-o a valor fundamental?

Evidentemente, depois de 22 de Julho, a sociedade norueguesa ao repudiar os ataques, uma vez identificada a fonte, parece ter encetado um arrepiar de caminho. Mas o certo é que não foram (nem podiam) ser banidas as ideologias das franjas. Nada disto anda, afinal, muito longe do excelente ensaio "Identidades Assassinas" (ainda muito atual) de Amin Maalouf. Ainda que aplicado aos ódios que grassam nas sociedades muçulmanas, os extremos, como sempre, tocam-se. E é nesta realidade (não confundir com realismo) que aparentemente se jogará o futuro da Europa. A crise de valores contaminará o poder, ou a sociedade saberá defender-se, impondo-os aos poderes que os tentam submergir?

Em Haevnen, Susane Bier não procurou ir tão longe. Mas numa Europa que por vezes olha para a Escandinávia como exemplo, faz sentido perceber que a perfeição não mora ali. Nem aqui, evidentemente.

25 de julho de 2011

Extravagância ou estranha ânsia


Sai-me uma voz, a minha voz
literal
ao caminho
abrindo-me a vereda de um poema
estreito
ocultando-me a via da melancolia.

Fogem-me as palavras para a ironia
forma insensata de ressentimento
revestido de poesia
Despeitada literatura
oferecida em penhor de sentimento
através de uma janela entreaberta
batida pelo brilho de um olhar

Sob a incandescência da luz solar
Viaja levemente minha alma
em torno de uma ausência
voando
em círculos sobre os [esc]ombros
do presente

Sai-me uma voz, a minha voz
literal
ao caminho
não me chega o teu rumor ausente
o eco da tua voz
um colossal desencontro

Na noite
é uma nota dissonante.

23 de junho de 2011

Dúvidas existenciais

A minha filha mais nova, em estado de sonolência à chegada do Festival Med, coloca-me uma questão muito pertinente, que julgo que não estará respondida pelos historiadores: quando os reis, as rainhas e as princesas iam dormir, onde é que punham as coroas?

Confesso que não sei a resposta, e disse-lhe que ia procurar saber. Se algum dos meus amigos me puder ajudar...

6 de junho de 2011

Ontem, o deserto


Ao olhar, um dia depois do escrutínio, para os resultados eleitorais, ocorrem-me os versos crepusculares de Neruda, não os do "Farewell", mas os do velho cego, que na língua materna assim chorava:

Viejo ciego, llorabas cuando tu vida era
Buena, cuando tenías en tus ojos el sol:
Pero si ya el silencio llegó, qué es lo que esperas,
Qué es lo que esperas, ciego, qué esperas del dolor?

[...]

Y si por la amargura más bruta del destino,
Animal viejo e ciego, no sabes el camino,
Yo que tengo dos ojos te lo puedo enseñar.

Não cabe aqui saber se o cego foi Sócrates, ou Portugal e os portugueses. Não cabe procurar responsabilidades, nem apurar culpas onde nem o PS nem toda a esquerda o conseguiram ontem fazer, em cada um dos discursos. E assim, ontem ficou por perceber o que falhou na estratégia, no percurso e nos desígnios políticos dos seis anos de PS em Portugal e de maioria de esquerda. Ficou por perceber o que podia (e devia) ter sido diferente para evitar a entrada do FMI, do colapso do Estado Social, da alternativa ao neoliberalismo tão temido, quando era apregoado que fora este o causador e a origem de todos os males. Ficou por perceber o que andou a esquerda portuguesa a fazer, quando o mundo ocidental foi sucumbindo aos ataques predatórios que a esquerda esclarecida tão bem soube identificar e satanizar. A troika não aterrou em Portugal de surpresa nem sem aviso, antes pelo contrário, foram feitos avisos e o caminho que a isso conduziu foi sendo negligentemente preparado pelo governo. A direita, sem verdadeiramente contar com isso, limitou-se a dar a estocada final no vitelo moribundo.

Isso foi evidente ontem, porque mesmo no meio do discurso eloquente mas óbvio (de Sócrates) e constrangedores de falta de explicações (de Louçã e Jerónimo), percebeu-se o deserto. A bem do pluralismo, espera-se que, erros semelhantes, jamais, venham de onde vierem. À atenção do senhor que segue que saiba identificar o essencial, evitando os abortos governativos, e deixando em paz, por exemplo, a interrupção voluntária da gravidez para que não se tenha de interromper a nova legislatura. Haja, pois, lucidez e decência.

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PS: Faltou dizer que não se percebe porque motivo Francisco Louçã não se demitiu na noite de Domingo. Por ter deixado o seu eleitorado à deriva, órfão de ideologia e desencaixado da realidade económica do país (a colagem ao PCP e a falta à reunião com a troika só conseguiu passar a mensagem que era um partido que não queria governar e por isso faria sentido recusar-lhe o voto) . Era esta a hombridade mínima que se esperaria do segundo grande derrotado da noite. Se o fizer amanhã, ou esperar pelo próximo congresso, ou convenção, como se diz no Bloco, a sua demissão pecará por tardia.
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"A Península"

No You Tube têm-se multiplicado os visionamentos do vídeo abaixo. Aparentemente, trata-se de uma jornalista do canal Al Jazeera ("A Península" em árabe), que não se coibiu de manifestar a sua posição de forma assaz corajosa, em directo. O canal sediado em Doha tem representado, por estes dias, a par do "Facebook", um eco das vozes de libertação que se vêm multiplicando no Médio Oriente desde a "Revolução de Jasmim", que resultou na deposição de Ben Ali.

Desde que foi fundado, em 1995, a Al Jazeera tem crescido exponencialmente, suscitando ódios nos países muçulmanos e também no ocidente (conta-se que em 2005 Bush e Blair terão conspirado para bombardear o "bunker" onde está situada a sua sede, no Qatar, depois de terem sido exibidas imagens de soldados americanos e britânicos mortos, feridos e feitos prisioneiros no Afeganistão e no Iraque).


Não cabem agora aqui os versos de Emily Dickinson, na sua Carta ao Mundo e Outros Poemas, mas vale a pena visitá-los ainda que brevemente, como uma alegoria que de certa forma as palavras da pivô também são:

A Batalha travada entre a Alma
E nenhum Homem - é
De entre todas as Batalhas que permanecem
De longe a Maior
[...]
Nem a História - a regista-
Como Legiões de uma Noite
Que o Amanhecer dispensa - estas resistem -
Imperam - e exterminam.

São ventos de mudança, estes que se anunciam. Provavelmente difíceis, a Oriente como a Ocidente. E é ao escutar as palavras do vídeo que espanta a comparação com os acampados do Rossio, ou da Puerta del Sol. Não há ali nada, que possa ser contraposto às multidões do Cairo, de Tunis, de Tripoli, de Islamabad ou de Manama, rigorosamente nada. É ao ouvirmos a pivô da Al Jazeera e ao olharmos para o número da abstenção nas eleições de ontem, que percebemos que na nossa reconfortante península, o conceito de democracia passou ao lado de quem optou por acampar, no Rossio, na praia, onde quer que fosse, em vez de ir votar. Não tem nada de mais, mas só por causa disso, três em cada dez portugueses foram suficientes para constituir a maioria que a partir de hoje governará os destinos de Portugal.

5 de junho de 2011

Gorilla Pad

Os Gorillaz, uma banda virtual, em tournée pelos Estados Unidos, em 2010, compuseram um álbum inteiro. Com uma particularidade, a de ter sido inteiramente produzido através de um iPad e utilizando aplicações que, no seu conjunto, não ultrapassam os cinquenta euros.

Poder-se-ia pensar que é uma nova forma de fazer música, mas não é nada que não exista já desde os anos 80 (lembram-se dos sintetizadores?). O que acontece agora é que tudo se tornou mais barato e também mais fácil. Claro que há ainda a distribuição e é a este nível que a grande revolução se operou. O álbum dos Gorillaz - "The Fall" - está disponível para download gratuito na página oficial da banda.



29 de maio de 2011

Quo Vadis, Europa?


É esta a pergunta que fica sem resposta depois de "Filme Socialismo" de Jean-Luc Godard. O que mudou é que os canalhas são sinceros, segundo o próprio. A Europa numa encruzilhada, que pode sair cara, à beira da catástrofe, representada a bordo de um navio cheio de canalhas e uma família às avessas, em cruzeiro pelo Mediterrâneo. Road movie? Nem por isso, mas entre imagens retorcidas e virais, fracassos e frustrações humanas, descobre-se que "nos humanités", maxime a liberdade, custam muito, mas mesmo muito, caro. Godard, agora nómada, vira a trajectória do seu cinema para a profecia através do socialismo da imagem?

Destaque ainda para a banda sonora, onde se destacam Dalida (na versão francesa "Que sont devenues les fleurs?" a partir do original de Pete Seeger)", Anouar Brahem ou a israelita Betty Olivero, entre outros, numa perfeita fusão de culturas mediterrânicas que se encaixa, na perfeição, no filme.

28 de maio de 2011

Zimerman interpreta Grazina Bacewicz


Grazina Bacewicz é uma compositora polaca que morreu em 1969, mas comemora-se agora o centenário do seu nascimento. A raridade de se tratar de uma compositora, judia e de pouco ter escrito para piano, mantiveram a sua divulgação a um nível pouco mais que confidencial. Zimerman resolveu pegar na complexidade do seu repertório e a Deutsche Grammophon cedeu a etiqueta, sendo o trabalho absolutamente espantoso e absolutamente essencial em qualquer colecção. Destaque para a Sonata 2. para piano que integra o álbum.

27 de maio de 2011

Árvores para o fim de semana

Um ano depois da exibição, fora do concurso, de "The Tree" de Julie Bertuccelli em Cannes, filme que não foi muito aplaudido pela crítica, eis que uma outra árvore, a árvore de Malick, surge como grande vencedor do festival francês. A crítica (uma entidade quase tão difusa como "os mercados", desta vez tem tecido os mais rasgados elogios é película, pelo que a expectativa é grande. Por ser uma história americana, pode ficar aquém das expectativas dos mais puristas (que aqui se devem entender como intelectuais). No entanto, se há filmes que através de lugares comuns (o amor, a família, o dinheiro, o sucesso, a traição) nos cansam nos primeiros minutos, "The Tree of Life" pode ser daqueles filmes que nos faz descobrir através desses lugares comuns o que ainda não descobrimos. É um daqueles filmes que nos pode fazer crescer, se o virmos de mente aberta. É esse o desafio lançado por Terrence Malick, possivelmente o único (mas gratificante) motivo pelo qual vale a pena ir ver a obra. Eis, portanto, a sugestão para o fim de semana em que estreia nas salas portuguesas.




25 de maio de 2011

Noite de Ronda


Noite de Ronda é uma noite de paixões onde homens e mulheres se espiam, se vigiam, se seduzem e desejam num ritual viciante e viciado. Os corpos atropelam-se patrulhados de segredos desnorteados, num impacto feroz onde as acções nunca se explicam. A insistência faz rolar o suor de unhas cravadas contra a pele. O espaço é íntimo, fechado, uma prisão perpétua repleta de sons compassados e violentos. Nasce o dia. Os pássaros cantam mais enervantes que nunca. O frenesi continua. O estore baixa.»

21 de maio de 2011

(ainda sobre o centenário da morte de Mahler )

...e acabamos por não conseguir terminar de escrever o que nos propuséramos inicialmente. Vinha isto a propósito do centésimo aniversário da morte de Gustav Mahler. Há dias procurava as palavras certas para descrever o compositor. Alguém me sugeriu que seria uma pessoa que tinha um ego superior à sua auto-estima. Alma Schindler, a mulher, uma vez descreveu-o como "alguém que queima quando nos aproximamos dele". Provavelmente tê-lo-á dito num desabafo de alguém que abandonou um processo criativo (era também compositora) para se dedicar às criações de outrem. Este abandono coincidiu com uma fase de declínio e pessimismo do compositor, que contudo nunca deixou de acreditar que a sua hora chegaria. E assim foi. A fase pessimista, a apatridia e o exílio voluntários (nem austríaco, nem alemão e sobretudo judeu) apenas cessaram com o reconhecimento que a partir da sua oitava sinfonia e o reconhecimento público que a sua oitava sinfonia despertou.

A estreia da oitava sinfonia, em Munique, no Outono de 1910, perante uma plateia que esgotara a lotação do Neue Musik-Festhalle, foi um sucesso extraordinário, tendo gerado uma ovação que durou mais de 20 minutos. Entre as celebridades na plateia, encontravam-se Richard Strauss, Thomas Mann, Max Reinhardt e o então desconhecido Leopold Stokowski, que meia tarde foi um fiel intérprete das suas composições. Mas havia ainda um tal Arnold Schöenberg e pensa-se que Kandinsky também se encontrava na plateia. Seja como for, foi a última vez que Mahler conduziu a estreia de um trabalho seu. Em Maio de 1911 morria em Viena. As nona e (incompleta) décima sinfonias estrearam-se apenas depois da sua morte. Efectivamente, como dissera Alma Schindler, Mahler queimava. O seu talento queimava como um pássaro de fogo que o tempo permitiu voar.

Thomas Mann escreveu, Luchino Visconti realizou. Ambos imortalizaram Mahler n'"A Morte em Veneza". Há quem veja no compositor retratado no filme uma caricatura de Mahler e da sua devastação. A ideia de corrupção dos ideais, patente na pestilência que se agrava ao longo do filme e que vitimiza o personagem principal de cólera, quase mata a ideia de beleza eterna da cidade dos canais, mas são o tema fulcral do filme. A pedra de toque, o cerne da imortalidade, acaba contudo por ser o quarto andamento da quinta sinfonia, o adagietto, que abre e encerra o filme realizado há trinta anos.

17 de maio de 2011

Wim Wenders, Pina (trailer) D

PINA - Dance, dance, otherwise we are lost - International Trailer from neueroadmovies on Vimeo.

Wim Wenders, em entrevista filmada ao Guardian:

"I never knew, with all my knowledge of the craft of film-making, how to do justice to her work. It was only when 3D was added to the language of film that I could enter dance's realm and language." 3D, with its illusion of depth, could, it was felt, open out the flatness of the cinema screen and give dance the depth and sculptural quality it needed to work cinematically...

A banda sonora pode ser ouvida aqui e o making off aqui.

Entrevista a Arnold Schöenberg

Julho de 1949


16 de maio de 2011

Os três porquinhos em Dublin

A final da Liga Europa disputa-se em palco irlandês, os dois finalistas são portugueses e agora o árbitro é espanhol. Pergunto-me que papel estará reservado para os gregos nesta final de PIGS?

Coelho, o Africano

Em campanha ontem, na Brandoa, junto das comunidades africanas, Pedro Passos Coelho disse-se "o mais africano de todos os candidatos". E isto porque, tendo a mulher nascido na Guiné, é africana. E por isso, a filha de ambos também o é. Logo, com tanta africanidade, Passos Coelho também é um africano. Mais do que a indecência e a iconoclastia, o que verdadeiramente choca é perceber quão baixo caíram as Doce.

11 de maio de 2011

À pesca das consciências


Li há dias, com interesse, que no dia da Europa, Maria Damanaki, a comissária grega da UE que lidera a pasta das pescas propôs que os pescadores desempregados europeus se dediquem a uma pesca diferente: a do plástico e outros resíduos no Mar Mediterrâneo. Um estudo franco-belga indica que há mais de 500.000 toneladas de plástico e outros resíduos à deriva no Mediterrâneo, o berço da civilização europeia e o modo de vida de tantas pessoas de um e outro lado da sua bacia. Que esses resíduos, alem de perigosos para a bio-diversidade, possuem ainda um relativamente elevado valor económico, conforme interesse já demonstrado por diversas empresas alemãs, francesas e espanholas.

Paralelamente resolve-se, ainda que parcialmente, a questão do desemprego no seio das frotas da UE.

Estava a pensar nisto quando me vieram à memória as imagens das redes do campo de refugiados de Melilla, alguns dos quais podem ser parte desses destroços, naufragados na tentativa de chegar a bom porto nas costas da Europa. E pior: que pensarão os pescadores europeus quando, nos seus aparelhos, pescarem das águas os despojos, o calçado, a roupa, os parcos haveres daquelas seis dezenas de refugiados africanos que há pouco tempo o "The Guardian" informava que andaram à deriva durante dezasseis dias perto das costas europeias e que a NATO ignorou e deixou morrer de fome e de sede?

10 de maio de 2011

Haevnen - Num mundo melhor



O filme de Susanne Bier premiado com o Óscar de melhor filme estrangeiro para 2011 é um dos imperdíveis para este ano. Situações limite no seio de duas famílias são o mote para uma película fabulosa, onde os personagens oscilam frequentemente entre a vingança e o perdão. Um casamento e uma amizade são duramente postos à prova em dois locais tão distintos quanto um campo de refugiados no Sudão ou numa cidade idílica na Dinamarca.

A complexidade das emoções humanas, a dor e a empatia entre pessoas é aquilo que sobressai num filme para gente muito crescida que tem colecionado prémios em quase todos os certames por onde passou.

7 de maio de 2011

A essência de Klimt na Behance Network

Poema sobre a recusa

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva.

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda.

(Maria Teresa Horta)

3 de maio de 2011

Ernesto Sábato, uma luz ao fundo do "Túnel"

Morreu no dia 30, em Buenos Aires, com 99 anos. Publicou várias obras, mas a mais importante, não pelo conteúdo literário, mas pelo que representou, foi o trabalho desenvolvido quando, em 1985, a convite de Raúl Alfonsin, presidiu à Comissão Nacional que publicou o relatório “Nunca Más” sobre a repressão dos governos militares na Argentina de 1976 a 1983 , que permitiu o julgamento de vários militares.

Sobre si próprio escreveu: "durante esse tempo [em que trabalhava no laboratório de Curie] de antagonismos, pela manhã sepultava-me entre eletrómetros e provetas e anoitecia nos bares, com os surrealistas delirantes. No Dome e no Deux Magots, alcoolizado com aqueles enviados do caos e da transgressão, passávamos horas a elaborar cadáveres refinados". [...] "Eu sou um anarquista! Um anarquista no sentido melhor da palavra. O povo crê que anarquista é aquele que põe bombas, mas anarquistas foram os grandes espíritos como, por exemplo, Leon Tolstoi".
(Entrevista no diário O Tempo, Bogotá, 22 de junho de 1997)

29 de abril de 2011

Há algumas noites, enquanto me olhava ao espelho a decifrar os traços da vida a que os mais pessimistas convencionaram chamar rugas, a minha memória revisitou um velho poema de Luís Amorim de Sousa:

dizia Lindsay Anderson
voltando-se para o seu Hamlet
: nada permanece
you know?

Um leve estremecimento percorreu-me, ao mesmo tempo que o silêncio se instalou entre cada sílaba das palavras que pensei sem dizer, que não fui capaz de dizer, dizendo-as na mesma. Estranho sentimento este o de nos ouvirmos e sentir que ninguém ouve o que dizemos sem dizer ou duvida do que dissemos sem dizer.
Que fazer?

Mudar
de pele
.

3 de março de 2011

A morte do cisne


Há instantes recebi o link acima, da prestação de um concorrente num concurso brasileiro onde este reencarna a coreografia a solo de "A morte do Cisne", de Michel Fokine para Anna Pavlova. Apesar de ter assistido às prestações de Maya Plisetskaya e de uma recente reencarnação da coreografia por Elena Glurdjidz para Karl Lagerfeld no centenário da “Ballets Russes” de Serge Diaghilev, com traje inspirado no original de Coco Channel, não deixo de ficar surpreendido com a prestação "pós-moderna" de John Lennon da Silva e o seu traje de menino da rua.

iPad 2




Ontem (dia 2 de Março) foi mesmo apresentado o iPad 2. Num mundo em que dezenas destes tablets são lançados semanalmente, que interesse tem um novo iPad, que pouco traz de novo em relação ao modelo anterior? Para começar, um pouco mais de definição, melhor ecrã, mesmo tempo de duração da bateria, sistema operativo revisto, câmara frontal, maior capacidade de processamento. O 2 não vem revolucionar, como o primeiro, nem estabelecer um novo padrão de computação, que a Microsoft já tinha experimentado, sem sucesso (culpa do seus pesado sistema operativo) em 2003. O 2 vem apenas reposicionar a Apple no segmento, repondo alguma da vantagem que esta detinha e que a pouco se ia esbatendo face aos seus rivais. Continua a faltar uma porta USB, uma ranhura para cartões, uma saída HDMI... Em suma, quer-me parecer que a Apple limitou a colocar no 2 o que de melhor tem o iPhone 4, juntando o processador A5 e a interface Thunderbolt que recentemente havia sido apresentada nos novos MacBook Pro. Parece que ontem, em Palo Alto, se comentava que lá para Setembro deve sair um iPad 3 que, esse sim, deverá ser HD, ter porta USB e a tal ranhura para cartões.

Mas então, qual a pressa de lançar este 2? Em primeiro lugar, porque essa tem sido a estratégia da Apple: não oferecer mais do que o estritamente necessário. Isso permite que, sem abrir o seu SO a terceiros, manter uma compatibilidade satisfatória entre versões de hardware, sem que o utilizador tenha de acompanhar cada evolução técnica (os actuais proprietários de iPhone 3 ainda conseguem instalar a mais recente evolução do SO, com algumas restrições de aplicações, como o Facetime, por exemplo). Isso sucede igualmente nos MacMini, nos MacBook, iBook, etc. Em segundo lugar, porque pode perfeitamente suceder que Steve Jobs não sobreviva a Setembro e era importante que fosse ele a apresentar a nova máquina que coloca o iPad ao nível do iPhone 4 e do iPod. Em terceiro lugar, menos importante para o utilizador, mas muito importante para Jobs e para a Apple, porque as acções da companhia estavam a ressentir-se dos rumores que vêm ditando o seu afastamento e ontem bastou que o criador tivesse aparecido por breves instantes na sala para que os mercados se manifestassem de forma positiva, sobretudo depois de terem sido anunciados os resultados das vendas iTunes em 2010.

Dificilmente, depois de ontem, quem ainda não tem um iPad quererá não ter um. Por outro lado, quem tem o primeiro, provavelmente não se justifica que invista no segundo. É que, estamos em crer que as novidades não justificam um novo investimento. Ou a macmania fará das suas? That is the question.

22 de fevereiro de 2011

Google Art Project

No seu esforço contínuo de se transformar numa marca (ainda) mais global e omnipresente, a Google passou a permitir a visita virtual a dez museus (and counting!) do mundo. Assim, comodamente instalado no sofá, o visitante pode agora, através do Art Project, passear-se, por exemplo, pelo Reina Sofia e o Thyssen-Bornemisza de Madrid, o Rijksmuseum de Amsterdão, o MoMA de Nova Iorque, o Palácio de Versalhes, a Tate ou a National Gallery de Londres, entre outros.

19 de fevereiro de 2011

Music for a sad woman


Tu as un rêve

Je sais que tu as un rêve

Je connais ton rêve

Je veux supporter ton rêve

Etre un pilier

Ton rêve est mon rêve

Je suis toi

Tu es moi

8 de fevereiro de 2011

Rock the Kasbah

Nestes dias de instabilidade no Oriente mais vizinho, ocorre-nos evocar Rachid Taha, o franco- argelino cuja música consiste numa fusão entre diversos géneros musicais, como o rock, techno, ou Indie com o Rai. Com excepção de alguns temas, todo o seu trabalho é cantado em árabe, num dialecto argelino. É conhecido também pelo som único que transmite com o "mandolute", uma espécie de oud, que junta a instrumentos musicais eléctricos e electrónicos. No video abaixo, Taha reedita "Rock the Kasbah", dos Clash, lançado em 1982, integrado no álbum Combat Rock. O punk interventivo e resistente dos anos 80, neste caso denunciando o esforço de controlo das massas pela força das armas por parte dos ditadores, é vencido pelo rock 'n roll, proibido nas kasbah.
Nestes dias, ao olharmos para os cristãos coptas, de mãos dadas com os seus irmãos muçulmanos na Praça Tarhir, empunhando cartazes exigindo a demissão de Mubarak, em frente aos blindados do exército egípcio e em violação do recolher obrigatório, faz todo o sentido substituir, ainda que apenas provisoriamente, o hino egípcio e a chamada para a oração pelos acordes da banda britânica nos altifalantes dos minaretes e ruas do Cairo. E atentar no que se passa no mundo árabe, que por ora desperta para algo de diferente, incerto e não necessariamente melhor, mas seguramente um rejeição do status quo vigente. E observar ainda, traço comum entre todas elas, o patético esforço da manutenção das ditaduras à beira do fim. Mubarak, em tempos o homem de confiança do nobelizado Anwar El Sadat, não precisava de dançar o rock das kasbah, se tivesse percebido que o tempo dos faraós há muito terminou nas areias do Egipto. Porventura mais para ocidente, quem é o senhor que se segue, nas amenas costas do Mediterrâneo?

7 de fevereiro de 2011

O mar (mas podia ser "O Norte" apenas para variar)


Quando fazemos quarenta anos e sempre vivemos ao pé do mar, acabamos, provavelmente por um inevitável processo de osmose, de fazer parte dele, ou ele parte de nós. Periodicamente, damos-nos conta que voltamos a ele e que grande parte da nossa existência depende dele, ou subsiste em função dele. Quando isso sucede, tomamos consciência de que estamos a aprender a lidar com as adversidades da vida, como se estas pudessem ter comparação com as ondas que batem regularmente na costa e a moldam, como sucede com a nossa personalidade perante a adversidade.

Da mesma forma, o amor, que é algo altamente sobrevalorizado nos tempos que correm: o medo da não aceitação, a apreensão de que esse medo seja infundado e finalmente a vaga possibilidade, admitida somente a espaços, de que o outro esteja connosco por amor... Mas ao que importa, como a adversidade e as ondas, também o amor, porque se pode manifestar de uma ou outra forma, molda a personalidade, como o vento a rocha. Há tempos lia uma tradução de Smila, do dinamarquês Peter Hoet. Profusamente cheio de gelo, de extensões imensas e geladas de afectos, que contudo se fundiam numa teia calorosa de sentimentos complexos, por vezes, ao longo do livro retive a sensação de (in)dependência que a personagem principal, uma mulher, revelava em relação ao amor, a compartimentação que dele evidenciava. Em cada capítulo, a mulher mergulhava um pouco mais numa profunda camada de gelo glaciar, ao mesmo tempo que a narrativa caminhava para o norte gelado, algures ao largo da costa da Gronelândia. Ao longo do romance chegamos a sentir-nos próximos de alguém que a dada altura, por acaso, se interroga, quase cientificamente, sobre o significado do amor, como se questiona acerca da forma hexagonal de um cristal de gelo.

A paixão como uma demência, um estado de demência que aproxima a pessoa do suicídio, mas igualmente do ódio, do ressentimento... Por vezes, à beira-mar lembro-me das vezes (serão lendas?) em que me apaixonei, ou em que julgo que me apaixonei. A espaços irregulares, julgo que posso ter apenas tropeçado e batido com a cabeça num degrau, mas em nenhuma circunstância o sentimento me parece real. Quase subtilmente, mas depois profundamente, apercebo-me que o amor pode ser algo tão exacto como a matemática: nem sempre sabemos do que estamos a falar e nem sempre sabemos se o que estamos a dizer, ou que nos estão a dizer, é verdadeiro ou é falso. E descobrir isso, em bom rigor, tem pouca importância para a maior parte dos mortais, para quem o amor é verdadeiramente importante. Pelo contrário, é extremamente importante para uma pessoa que se apaixonou pela frívola ideia de um amor romântico e pela imatura idade de ser amada.

Verifico que perdi o fio ao raciocínio original. Não que o tenha verdadeiramente perdido, mas simplesmente não fui capaz de o desenvolver sob outra forma que não ideias dispersas. E assim, o mar que eu projectara pintar saiu revolto e desencontrado, inacabado. É assim, também, por vezes,o amor, o amor que resulta do (des)encontro de pelo menos duas vontades, expressas em torrentes de incontroláveis palavras:

Estamos hoje na véspera de Natal
O gelo, darling,
Acumula-se no passeio silencioso
Observo o realismo do branco
Refletido na tua pele morena
E tenho a certeza que não pertences aqui
Flutuas apenas.
Quando tento despedir-me,
não há pegadas tuas na neve
Apenas cavidades minúsculas
Onde os teus olhos verteram
Lágrimas quentes.
Amanhã, depois do nascer do sol
o teu rosto não estará deste lado do mar.



Obrigado Liedson


Como deixar passar em claro estes quase oito anos de Levezinho, de tantas alegrias? Noutro sentido, evidentemente, também poesia.