25 de novembro de 2016

Arco-íris



Eis que nos alcança o ocaso
fantástico e incerto
como cores
que aleatoriamente
desmaiam

flores
que empalidecem
e ao cair da noite
adormecem

Num longo suspiro
pela alma
de um mar revolto
onde
lentamente  se naufraga
por amor

31 de outubro de 2016

Canto Matinal



Alguém
te toca
profundamente
e sopra 
ao ouvido
palavras que
doces
ecoam 
persistentemente 
na têmpora
e na fronte 

E assim
se te apagam
as trevas
incendeia-se-te
o olhar
o sangue
os labios
Acelera-se-te
o coração

[enquanto se]
te esvai o fôlego
como
num movimento de pedais
à procura de sinais
ou pontos cardeais
e tu

Num reflexo
chamas-me o nome
num Canto
noturno
com chama
enquanto
com encanto
estremeces
e antecipas
o arrepio
dos meus dedos
percorrendo
o espaço
entre 
as tuas omoplatas

26 de outubro de 2016

Time kills

It has been a while since
I've last seen happiness filtered through
your lips and
your fingertips touch like magical keys
happiness
deeply expressed through your soul

It has been a while since
I have written any significant thing on an empty wall
In Tangier's whiteness
Where the sun used to shine in circles
while butterflies flew inside me

It has been a while
indeed
probably too faraway 
from this life
to make any sense to recall it

15 de setembro de 2016

Do Verão

[Ficam] as recordações 
do flutuar 
do olhar 
a mirar o mar
A felicidade das mulheres
e das crianças 
[quase mulheres]
Os sorrisos iluminados
pela luz caiada
debruçados
nas ondas do Levante

No horizonte as velas
sopradas em retalhos 
testemunhas Ocidentais 
do amor embarcado
no verão que parte.

14 de agosto de 2016

Época de Incêndios

Na minha pele restos
da tua pele
Na minha boca lume
do teu fogo
No meu destino 
o teu abraço
No meu nome
o teu nome
No meu abraço
o teu regaço 

No meu fim
a tua falsa distância 
mascarada de esperança.

5 de julho de 2016

[another] One (thirty years after Joshua Tree)

One love 
One miracle
One breath
To make one fall aside
No sense of fearless change
One man
One woman 
An endless road
you
me
Failing
and falling apart
me
you
Is this [perhaps] the end

[two post modern question marks]

of a history??

25 de junho de 2016

O dia Brexit + 1

No dia seguinte ao referendo que ditará a saída do Reino Unido da União Europeia, mas ainda longe do necessário rescaldo que se lhe seguirá, a Europa desperta para uma realidade nova com a qual pode ter uma grande dificuldade em lidar, assim como os próprio britânicos. 

Ontem, imediatamente a seguir à publicação dos primeiros resultados, vários eurocépticos europeus clamaram por referendos nos seus próprios países, procurando cavalgar a onda do resultado do referendo britânico. Por outro lado, a demissão de Cameron (uma das poucas coisas sensatas no dia de ontem) permitiu perceber claramente que os próprios partidários do "leave" não têm ainda um plano para orientar a forma de saída da UE. Senão vejamos: Nigel Farage, do UKIP - com o qual os eleitores não se identificam e que apenas mantem um deputado em Westminster - clama por este referendo há 20 anos e nesses tempo não preparou um plano, nem se lhe conhece o pensamento para os anos que se seguem. Ainda há dias dizia que se o resultado do referendo fosse 52%-48% a favor do "remain", deveria haver novo referendo. Acertou no resultado, mas uma vez que foi ao contrário, não é de crer, pelo tom dos festejos, que seja capaz de demonstrar algum tipo de coerência.

Quanto a Boris Johnson, limitou-se a dizer que não existe pressa em invocar o artigo 50 do tratado de Lisboa, que corresponde ao despoletar formal do processo de  saída. Não se percebe bem o que pretende, mas é evidente que não será esse o entendimento em Bruxelas, que agora exigirá uma rápida clarificação de Londres, não parecendo estar disposta a dar ao Reino Unido a hipótese de ganhar algum fôlego na sua Economia para os duros anos que se avizinham, porventura porque não se pode deixar passar a mensagem que a saída será fácil e indolor a fim de não haver encorajamento de outros casos.

Em Belfast e Edimburgo, onde o "remain" saiu claramente vitorioso (os escoceses votaram há dois anos a favor da permanência no Reino Unido com a promessa de Cameron que ficaria na União Europeia), soaram imediatamente as trombetas da secessão, sendo que no caso da Irlanda do Norte parece que nem há necessidade de referendar a saída do Reino Unido para haver uma união com a República da Irlanda. Paradoxalmente, o risco de secessão no Reino Unido (que deixaria de ser a quinta economia mais forte do mundo), pode ser o polo aglutinador da Europa ao abrigo dos princípios egoístas de "com o mal dos outros posso eu bem" ou " ainda bem que não sou eu".

Seja como for, o processo será longo. Raramente os tratados preveem cláusulas de desvinculação e normalmente apenas são previstas sanções para incumprimentos pontuais, mas raramente é descrito um processo de saída ou denúncia. É a aplicação pura da regra latina, velha como o Direito dos povos, do "pacta sunt servanda" (os contratos são para cumprir nos seus precisos termos). 

O caso do Tratado de Lisboa não é uma exceção. O artigo 50 apenas trata da denúncia, mas não contém em si uma descrição do processo de saída de um estado-membro. Nem podia, porque a União Europeia é um bloco legal inteiro, que regula milhares de matérias e agora é necessário acordar quase relativamente a cada uma delas com o Reino Unido, partindo de um "quase zero". O próprio Reino Unido tem de legislar internamente em diversas matérias. E isso leva tempo, muito tempo. Donde, avisava ontem Donald Tusk, é imperioso que não se caia no risco do vazio legal que necessariamente existe e portanto é imensamente difícil escolher um caminho que seja rápido e ao mesmo tempo seguro, embora não seja evidentemente fácil que se consiga negociar a saída de um tratado ao mesmo tempo que se estabeleçam de imediato acordos e parcerias com a parte de que se pretende a separação ao mesmo tempo. A crispação pode não ser boa conselheira à mesa das negociações e ela existe.

E chegamos ao ponto fulcral: a crispação, que deve ser evitada a todo o custo. A União Europeia precisa do Reino Unido e este da União Europeia. Há mais a perder para ambos os lados que a ganhar com a separação e é preciso que o afastamento não seja grande nem duradouro. Não vale a pena criar grandes clivagens, nem fechar portas. Não é esse o espírito da Europa que está em construção. O regresso do Reino Unido deverá ser sempre algo a não descartar e a ver como positivo; e nessa medida deve ser semeado já o caminho desde o primeiro instante.

Cabe agora aos britânicos escolherem a via a seguir: a do corte radical e o trilhar de um caminho desde o "grau zero" ou uma longa e morosa negociação de novos acordos com a União Europeia? E essa decisão deve ser uma decisão do parlamento britânico, ou deve ser referendada? E nesse possível referendo deve ser feita nova consulta aos cidadão britânicos, posto que não foram informados de quais as opções de que dispunham para tomar uma decisão informada? São demasiadas questões a resolver e por isso é impossível que haja resposta no imediato.

Parece óbvio todavia que Londres acorda para uma dura realidade hoje, como comprova o facto de ontem, menos de 24 horas após o referendo já terem sido reunidas mais de 110.000 assinaturas clamando por um novo referendo (e bastariam 100.000 para o assunto ser levado a discussão parlamentar) e o hashtag #whathavewedone já ser um dos mais populares no Twitter.

Diga-se ainda que há apenas cem anos atrás, a rotura de um tratado por uma parte contratante despoletava quase imediatamente uma guerra entre estados. Hoje, felizmente, não parece ser assim e grande parte dessa segurança e paz vem sendo assegurada na Europa desde o Tratado de Roma. E essa deveria ser, por si só uma razão para a subsistência da união em detrimento da escolha da desagregação ao sabor dos ventos dos populismos e dos nacionalismos. 

Com tantas incertezas, não parece que seja possível dizer já adeus ao Reino Unido, mas apenas até já. E numa Europa verdadeiramente multicultural, até será possível responder-se, sem complexos, Insha'Allah.

22 de maio de 2016

Lua de maio




A lua esta noite, enquadrada com Marte.
(o ponto azul é reflexo da pura azelhice do fotógrafo)

16 de maio de 2016

Nunca mais

Pela manhã
amar devagar,
alguém salgado
fechando os olhos
construindo em silêncio
um lugar recôndito de paixão.

Na penumbra o movimento
florescendo entre rimas, suor e fantasias
sem pontos cardeais 
danos colaterais
ou outros sinais
que não sentimentos iguais.

Assim a centelha da criação
o êxtase da imagem
a deslizar pelo aparo da caneta
materializando em poema
a voz furiosa de um centauro
em furibunda melancolia:

não se diz nunca mais.

9 de maio de 2016

Dostoyevski revisited

I go on living in spite of logic
Though I may not believe in the order of the universe
yet I love the sticky leaves as they open in spring.
I love the blue sky, I love some people,
whom one loves you know sometimes
without knowing why.

It is not a matter of intellect or logic,
it's loving with one's inside,
with one stomach.

Fyodor Dostoyevski (The Karamazov Brothers)


(post em edição)

1 de maio de 2016

[about] Silence, night and dreams


Alejandro Mos Riera, Dream Paintings, Museo de Ojos en Silencio

If a man could pass through Paradise in a dream, and have a flower presented to him as a pledge that his soul had already been there, and if found that flour in his hand when he awake - Aye, what then?
~ Coleridge
.

Thy tease me now, telling me it was only a dream. But does it matter whether it was a dream or reality, if the dream made known to me the truth?
~ Fyodor Dostoevsky

27 de abril de 2016

Poema branco (mas visível)

Sou
como as ondas

salgado
a espuma
a espera 
um caminho
Imperceptível
um rumo
a vida

Tout court

17 de abril de 2016

Loving Vincent


(trailer oficial do filme)


This is the first fully painted feature film in the world, directed by Polish painter and director Dorota Kobiela and Hugh Welchman (Oscar winner for producing "Peter and the Wolf"). The film is produced by Oscar-winning Studios Breakthru Films and Trademark Films.

Poema invisivel


(invisible words, 2016)

5 de abril de 2016

Life is

Um dos bons sentidos da vida
É descobrir que não raras vezes
Estamos enganados


Vincent van Gogh, Lírios, maio de 1889

7 de março de 2016

Starry night

Silent starry night

endless hour

wordless time

Silent starry night 


No books, no music

reality erased

Only sleep, night 

Oh! and dedicated stars


24 de fevereiro de 2016

12 de fevereiro de 2016

Ao vento [poema de retalhos]

ao vento


um coração ecoa
palavras sussurradas de um poema triste

ao vento

a lua brilha ao recolher de um dia
no silêncio da noite

giram sonhos
sorrisos refletidos nas estrelas

ao vento

embalam-se cumplicidades entre
o luar prateado e os sentidos

baloiçam em surdina
versos por acabar no firmamento

ao vento

mil palavras por dizer
instantes irrepetíveis.

ao vento

os dias sucedem-se
como as estações na cerejeira

ao vento

o silêncio
só um fim e nunca um começo

ao vento

como numa prece,
despertamos com a percepção 

que o sismo que para sempre
nos desmoronaria  o coração

nos enche o peito de vida
em torrente de emoção

11 de fevereiro de 2016

Amo-te!

Ou o princípio metafísico segundo o qual

Uma verdade tantas vezes dita
Se transforma no seu contrário.

2 de fevereiro de 2016

Friedrichstraße

The past is never past. It's not even dead.

William Faulkner




[...] às primeiras horas da madrugada aproximou-se da cancela que delimitava ao acesso à linha do caminho-de-ferro. Ajeitou, como conseguiu, a gola do casaco enquanto aguardava a passagem da composição proveniente de Potsdam. Distinguiu os faróis da locomotiva primeiro varando penosamente a escuridão e a densidade cortante do ar frio que a temperatura de Fevereiro impunha, antes de perceber a silhueta dos vagões que a seguiam. Sentiu no corpo o ronco do motor, que se confundiu com o tremor que o percorreu, fruto do frio e do pânico que se esforçava por a custo domar dentro de si. Aproximou-se à passagem da composição. A linha arcaica e em mau estado obrigava a um vagaroso progresso e por vezes mesmo a uma paragem antes da entrada na gare de Friedrichstraße. Os flocos de neve que caíam, a humidade e o frio tornavam penoso o progresso e o próprio ato de respirar. Ardiam-lhe os pulmões e os olhos. Apertou as mãos dentro dos bolsos, enterrou a testa o mais que lhe foi possível no chapéu de feltro surrado pelo tempo e lançou-se evitando pensar que poderiam ser os últimos passos que dava na vida.

Evitou olhar na direção da gare, mas adivinhava o movimento dos guardas à aproximação da composição. Adivinhou o engatilhar das armas, julgou distinguir o ladrar dos cães, excitados pelo movimento do comboio e o quebrar da rotina da noite. Aspirou levemente uma golfada de ar frio e avançou à passagem da composição, procurando adaptar a vista ao bréu e aos chuviscos de neve. Alcançou instantes depois o último vagão imobilizado e distinguiu os guardas, uns que caminhavam em sentido contrário, outros verificando um a um os vagões agora detidos, mas não olhando na sua direção. O tempo deteve-se. A sua respiração deteve-se. O seu coração parou de bater enquanto julgou ver a eternidade quando o seu olhar inevitavelmente se cruzou com o de um dos guardas. O cão que o guarda trazia pela trela ladrou. Furiosamente. Por sorte, na direção da composição. Vários guardas acorreram ao local. As lanternas apontaram para a parte inferior de um dos vagões e ouviu-se o ruído de armas a serem aprontadas. Ainda sem respirar, Eric Sevlak continuou no seu passo, esperando pela ordem que impediria o seu progresso. Ouviu-a, mas sem se deter encolheu os ombros aguardando pelo momento em que sentiria os seus ossos a serem despedaçados por balas antes de cair à vista da fronteira para berlim Ocidental.

Nada. O tempo arrastou-se. E nada.

O guarda esqueceu-se por instante do rosto do homem que cruzara olhar consigo, antes de a sua atenção ser atraída pelo cão para debaixo de um dos vagões provenientes de Potsdam. Estava enregelado e com saudades de rever os seus familiares, que deixara numa aldeia nos arredores de Dresden havia mais de três anos de serviço ininterrupto. E agora desejava que de debaixo do vagão não saísse uma pobre alma a tentar passar para o ocidente a coberto da noite. Eram aos milhares os clandestinos e não raras os seus superiores vezes ordenavam que os fuzilassem sumariamente para poupar o incómodo de um interrogatório longo e moroso, alegando que haviam tentado fugir.

Um disparo. Outro. O ruído das vozes humanas, do latir dos cães e do disparo das armas fundiu-se com a escuridão da noite e um após outro os passos de Sevlak aproximaram-no da fronteira que aos poucos se tornou visível. O guarda federal pareceu surpreendido quando viu a sua silhueta e não teve de lhe pedir que se detivesse antes de atravessar a linha branca. Sevlak desfaleceu quando o seu pé direito transpôs pela primeira vez a fronteira ocidental, ou seja, no preciso instante em que, muito embora disso não se tenha apercebido, se tornou um homem sem passado e sem futuro.

29 de janeiro de 2016

Mundo de pernas para o ar

Um exercício aparentemente simples:
Uma folha em branco
Tão imensamente
vazia
Tão assustadoramente
vazia
Tão repentinamente 
vazia

Diante da qual hesito
Mas não resisto
a ocupar
assim 
com esboços
palavras 
compassos
versos sem fim

Todo
o infinitamente branco
Onde não cabe
Nenhum vácuo
Nenhum silêncio 
Nenhum vazio

Enfim

Todo
o mundo de pernas para o ar

10 de janeiro de 2016

Otherwordly Blue



Look up here, I’m in Heaven,
Oh, I’ll be free just like that bluebird
Oh, I’ll be free
Ain’t that just like me
(Bowie, Lazarus)

2 de janeiro de 2016

Terra





às vezes recordo-me
do teu corpo ser um aquário
e os teus olhos safiras
através dos quais via a verdade do mundo

às vezes ocorre-me
todavia, que a verdade do mundo
é um par de calças
de algibeiras vazias

ou simplesmente um jardim, o sol,
a areia, uma mão cheia de sonhos
o firmamento de onde se sopra
o pó das estrelas



Água




Oh! Dream of joy! Is this indeed
The light-house top I see?
Is this the hill? Is this the kirk?
Is this mine own countree?

We drifted o'er the harbour-bar,
And I with sobs did pray—
O let me be awake, my God!
Or let me sleep alway.
.
(the rime of the ancient mariner)