21 de maio de 2011

(ainda sobre o centenário da morte de Mahler )

...e acabamos por não conseguir terminar de escrever o que nos propuséramos inicialmente. Vinha isto a propósito do centésimo aniversário da morte de Gustav Mahler. Há dias procurava as palavras certas para descrever o compositor. Alguém me sugeriu que seria uma pessoa que tinha um ego superior à sua auto-estima. Alma Schindler, a mulher, uma vez descreveu-o como "alguém que queima quando nos aproximamos dele". Provavelmente tê-lo-á dito num desabafo de alguém que abandonou um processo criativo (era também compositora) para se dedicar às criações de outrem. Este abandono coincidiu com uma fase de declínio e pessimismo do compositor, que contudo nunca deixou de acreditar que a sua hora chegaria. E assim foi. A fase pessimista, a apatridia e o exílio voluntários (nem austríaco, nem alemão e sobretudo judeu) apenas cessaram com o reconhecimento que a partir da sua oitava sinfonia e o reconhecimento público que a sua oitava sinfonia despertou.

A estreia da oitava sinfonia, em Munique, no Outono de 1910, perante uma plateia que esgotara a lotação do Neue Musik-Festhalle, foi um sucesso extraordinário, tendo gerado uma ovação que durou mais de 20 minutos. Entre as celebridades na plateia, encontravam-se Richard Strauss, Thomas Mann, Max Reinhardt e o então desconhecido Leopold Stokowski, que meia tarde foi um fiel intérprete das suas composições. Mas havia ainda um tal Arnold Schöenberg e pensa-se que Kandinsky também se encontrava na plateia. Seja como for, foi a última vez que Mahler conduziu a estreia de um trabalho seu. Em Maio de 1911 morria em Viena. As nona e (incompleta) décima sinfonias estrearam-se apenas depois da sua morte. Efectivamente, como dissera Alma Schindler, Mahler queimava. O seu talento queimava como um pássaro de fogo que o tempo permitiu voar.

Thomas Mann escreveu, Luchino Visconti realizou. Ambos imortalizaram Mahler n'"A Morte em Veneza". Há quem veja no compositor retratado no filme uma caricatura de Mahler e da sua devastação. A ideia de corrupção dos ideais, patente na pestilência que se agrava ao longo do filme e que vitimiza o personagem principal de cólera, quase mata a ideia de beleza eterna da cidade dos canais, mas são o tema fulcral do filme. A pedra de toque, o cerne da imortalidade, acaba contudo por ser o quarto andamento da quinta sinfonia, o adagietto, que abre e encerra o filme realizado há trinta anos.

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