7 de fevereiro de 2011

O mar (mas podia ser "O Norte" apenas para variar)


Quando fazemos quarenta anos e sempre vivemos ao pé do mar, acabamos, provavelmente por um inevitável processo de osmose, de fazer parte dele, ou ele parte de nós. Periodicamente, damos-nos conta que voltamos a ele e que grande parte da nossa existência depende dele, ou subsiste em função dele. Quando isso sucede, tomamos consciência de que estamos a aprender a lidar com as adversidades da vida, como se estas pudessem ter comparação com as ondas que batem regularmente na costa e a moldam, como sucede com a nossa personalidade perante a adversidade.

Da mesma forma, o amor, que é algo altamente sobrevalorizado nos tempos que correm: o medo da não aceitação, a apreensão de que esse medo seja infundado e finalmente a vaga possibilidade, admitida somente a espaços, de que o outro esteja connosco por amor... Mas ao que importa, como a adversidade e as ondas, também o amor, porque se pode manifestar de uma ou outra forma, molda a personalidade, como o vento a rocha. Há tempos lia uma tradução de Smila, do dinamarquês Peter Hoet. Profusamente cheio de gelo, de extensões imensas e geladas de afectos, que contudo se fundiam numa teia calorosa de sentimentos complexos, por vezes, ao longo do livro retive a sensação de (in)dependência que a personagem principal, uma mulher, revelava em relação ao amor, a compartimentação que dele evidenciava. Em cada capítulo, a mulher mergulhava um pouco mais numa profunda camada de gelo glaciar, ao mesmo tempo que a narrativa caminhava para o norte gelado, algures ao largo da costa da Gronelândia. Ao longo do romance chegamos a sentir-nos próximos de alguém que a dada altura, por acaso, se interroga, quase cientificamente, sobre o significado do amor, como se questiona acerca da forma hexagonal de um cristal de gelo.

A paixão como uma demência, um estado de demência que aproxima a pessoa do suicídio, mas igualmente do ódio, do ressentimento... Por vezes, à beira-mar lembro-me das vezes (serão lendas?) em que me apaixonei, ou em que julgo que me apaixonei. A espaços irregulares, julgo que posso ter apenas tropeçado e batido com a cabeça num degrau, mas em nenhuma circunstância o sentimento me parece real. Quase subtilmente, mas depois profundamente, apercebo-me que o amor pode ser algo tão exacto como a matemática: nem sempre sabemos do que estamos a falar e nem sempre sabemos se o que estamos a dizer, ou que nos estão a dizer, é verdadeiro ou é falso. E descobrir isso, em bom rigor, tem pouca importância para a maior parte dos mortais, para quem o amor é verdadeiramente importante. Pelo contrário, é extremamente importante para uma pessoa que se apaixonou pela frívola ideia de um amor romântico e pela imatura idade de ser amada.

Verifico que perdi o fio ao raciocínio original. Não que o tenha verdadeiramente perdido, mas simplesmente não fui capaz de o desenvolver sob outra forma que não ideias dispersas. E assim, o mar que eu projectara pintar saiu revolto e desencontrado, inacabado. É assim, também, por vezes,o amor, o amor que resulta do (des)encontro de pelo menos duas vontades, expressas em torrentes de incontroláveis palavras:

Estamos hoje na véspera de Natal
O gelo, darling,
Acumula-se no passeio silencioso
Observo o realismo do branco
Refletido na tua pele morena
E tenho a certeza que não pertences aqui
Flutuas apenas.
Quando tento despedir-me,
não há pegadas tuas na neve
Apenas cavidades minúsculas
Onde os teus olhos verteram
Lágrimas quentes.
Amanhã, depois do nascer do sol
o teu rosto não estará deste lado do mar.



1 comentário:

Anónimo disse...

A paixão medida


Trocaica te amei, com ternura dáctila
e gesto espondeu.
Teus iambos aos meus com força entrelacei.
Em dia alcmânico, o instinto ropálico
rompeu, leonino,
a porta pentâmetra.
Gemido trilongo entre breves murmúrios.
E que mais, e que mais, no crepúsculo ecóico,
senão a quebrada lembrança
de latina, de grega, inumerável delícia?