31 de março de 2008

Arnold Schönberg
retrato de Emil Hertzka, c. 1910, óleo sobre tela
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"If I had received your letter a year ago I should have let all my principles go hang, should have renounced the prospect of at last being free to compose, and should have plunged headlong into the adventure. [...] For I have at last learnt the lesson that has been forced upon me during this year, and I shall not ever forget it. It is that I am not a German, not an European, indeed perhaps scarcely even a human being (at least, the Europeans prefer the worst of their race to me), but I am a Jew. I am content that it should be so! Today I no longer wish to be an exception; I have no objection at all to being lumped together with all the rest. For I have seen that on the other side (which is otherwise no model so far as I’m concerned, far from it) everything is also just one lump. I have seen that someone with whom I thought myself on a level preferred to seek the community of the lump; I have heard that even a Kandinsky sees only evil in the actions of Jews and in their evil actions only the Jewishness, and at this point I give up hope of reaching any understanding. It was a dream. We are two kinds of people. Definitively!"


(Extracto de aarta de Arnold Schönberg a Wassily Kandisky, rompendo a sua amizade mútua, 19 de Abril de 1923)

Primavera em Minsk

Segundo noticiava o Público, ontem, em Minsk, um tagarela-europeu comia mirtilos num jardim público. Conclui-se portanto, sem margem para dúvidas, que a Primavera chegou e instala-se calma e despreocupadamente, até nas latitudes mais frias. Segue-se o Verão. Aliás, o Verão chega sempre.
Pétalas da cidade sonhada
por Rainer Maria Rilke

Um dia
num dia quente de Verão
enquanto as libelinhas dançavam
rodopiando sobre violetas violeta
junto à fonte
sob o zumbido constante das abelhas e dos moscardos,
e as mulheres da aldeia
lavavam a roupa no riacho
batendo as peças nas pedras gastas
do passadiço alagadiço.
Um dia,
num dia quente de Verão,
enquantos as libelinhas dançavam,
as violetas falavam-me da minha amada
e a sua memória já só me chegava
avivada por vagas
provenientes de ecos distantes
sem cor nem cheiro,
.
Eu perguntava insistentemente "onde estás"?

29 de março de 2008

O que faz estremecer a Terra?
que uma menina, ainda pequena, da cidade
queira viver junto ao mar
e enfrente a tempestade
e dissolva todo o sal do mar
nas lágrimas
que inevitavelmente derramará

Seja o que for, fará
que um dia, a menina,
enfim mulher,
tome o seu homem (por) certo
e em silêncio sereno
enfim compreenda porque rebentam
as ondas na praia
e os búzios reproduzem o marulhar
em ecos dansantes

27 de março de 2008

You have a dream
I know you have a dream
I know your dream
I will support your dream
be your pillar
Your dream is my dream
You are me
I am you

24 de março de 2008

Say it with (no) flowers

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Vou sussurar apenas: isto é um frágil sonho, como uma árvore em papel pintado; não, minto, uma árvore pintada em papel. Está vento lá fora. Soam as portadas. O meu corpo está incandescente. Uma mariposa bate as asas e tudo, mas tudo mesmo, desaparece repentinamente. Mudança de cenário. Já é manhã, o Sol aquece, a hera espreguiça-se ao longo da parede, as rosas esticam-se e empertigam-se com o despertar do calor. Semeei pevides de melão ontem ao luar. Não tem importância nenhuma. Onde ia eu? Sim, claro, colher uma rosa perfeita para te adornar o cabelo.

ebook: A morte de Ivan Illich (Leão Tolstoi)

Há livros assim. Pequenos, finos, quase de bolso. Mas intensíssimos, densos, marcantes. Claro, ser escrito por Tolstoi ajuda. Mas é muito mais que isso. O desembargador Ivan Illich descobre que a sua popularidade cai a pique quando recebe a notícia de uma doença incurável. A degradação física que o conduzirá à morte é antecipada pela vivência interior e pelo sentimento da superficialidade das relações porque pautou a sua vida. Quem foi verdadeiramente importante? Que valemos para os outros? A Morte de Ivan Illich é sublime, apaixonante, desde que tenhamos a sorte de encontrar uma boa tradução (confesso que não li a versão do link acima, optei pelo velho papel).

Mudar de Bina

Norberto Lobo

Há um Portugal que corre e pulsa em surdina. Nas vias de cada cidade e aldeia. Que não ouvimos, que calamos, que perdemos de vista. E contudo, esse Portugal move-se e nós, como que cegos não o vemos (ou ouvimos). E fazemos mal. Um exemplo: a fascinante solidão o intimismo de uma guitarra acústica quando dedilhada por mãos certas. Singela é certo. Mas como que multiplicadas as vozes se bem tocada. Mudar de Bina, de Norberto Lobo, é um álbum profundamente português, onde fervilha um talento exemplar que ora nos devolve Carlos Paredes, para de seguida nos levar por caminhos novos em ritmo apressado. Muito mais que apenas recomendável, na medida em que chega a ser arrepiante.

20 de março de 2008

Giuseppe Arcimboldo, La Primavera


Giunt' è la Primavera e festosetti
La Salutan gl' Augei con lieto canto,
E i fonti allo Spirar de' Zeffiretti
Con dolce mormorio Scorrono intanto:
Vengon' coprendo l' aer di nero amanto
E Lampi, e tuoni ad annuntiarla eletti
Indi tacendo questi, gl' Augelletti;
Tornan' di nuovo al lor canoro incanto:
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E quindi sul fiorito ameno prato
Al caro mormorio di fronde e piante
Dorme 'l Caprar col fido can' à lato.
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Di pastoral Zampogna al suon festante
Danzan Ninfe e Pastor nel tetto amato
Di primavera all' apparir brillante.

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Até o Google...


19 de março de 2008

Fat White Mirror Man
LomoPhoto Arc08

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Uma fina Luz
derrama-se ao entardecer sobre uma Flor de Lis
gravada na pedra.

Paira no ar um Silêncio sem fim
entrecortado apenas pelo tic tic
de um martelo recortando
um reflexo rosto grosseiro numa estátua de alabastro.
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"- Que fazes aqui, velho Lobo?
A tua figura é irreal
julgava-te em Berlim,
libertando fumaças
à mesa de Brecht
junto ao balcão do 3 Groschen Bar
a espreitar quem passa
lá fora, na strasse."

Fat White Smoking Man
LomoPhoto Arc08
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Porque sonhamos com a beleza
se esta
não pode migrar?
Praia de Quarteira, 19 de Março 2008
Foto com telefone

18 de março de 2008

Ainda sobre "pode o Inverno ter fogo"?


Vanessa Mae, Storm

(versão adaptada do terceiro concerto de "O Verão" de "As Quatro Estações" de Vivaldi)

O órfão inglês

A sétima arte está mais pobre com o falecimento, esta madrugada, de Anthony Minghella. Eu gostei de "O Paciente Inglês", porventura o filme que melhor vi retratar o silêncio sob forma visível. Mas não me apetece falar sobre o assunto. Por agora, prefiro ir tomar um café e esticar as pernas enquanto está sol.
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1997: Óscar de melhor realizador pelo filme "O Paciente Inglês"
1999: nomeado pela acedemia para o prémio de melhor realizador pelo filme "O talentoso Mr. Ripley"
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Foi realizador de "Assalto e Intromissão" (2006), "Cold Mountain" (2003) e "Um Fantasma do Coração" (1990), o seu primeiro filme.
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Recentemente esteve a filmar no Botswana uma adaptação do romance "The No. 1 Ladies' Detective Agency", de Alexander McCall Smith.
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Produtor de "Michael Clayton - uma questão de consciência" e "O americano tranquilo"
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2006: prémio Olivier pela produção da ópera "Madame Butterfly", de Puccini, para a Ópera Metropolitana de Nova Iorque.

Embraceable You

Ruth Rosengarten, Embraceable You, 1988, óleo e cera s/tela

15 de março de 2008

Krystian Zimerman



O melhor? É sempre complicado dizê-lo. Mas seguramente um dos melhores. Polaco (novamente a Polónia!), mas vive na Suiça. Pianista. Gosta de viajar com o seu piano (um Steinway, claro), às vezes dois, num camião adaptado para o efeito, não raras vezes conduzido por si. É uma dor de cabeça para os organizadores dos recitais, porquanto gosta de escolher livremente o reportório e comunicá-lo a poucos dias dos eventos, às vezes por sms. Foi o caso, novamente, desta vez. É um perfeccionista, ocupa-se pessoalmente do estudo acústico das salas em que actua, especialista em tecnologia acústica, participa activamente no desenvolvimento dos instrumentos que utiliza (a Steinway não prescinde dos seus conselhos na realização dos seus pianos) e dá pouquíssimos recitais. Não gosta de entrevistas. Em 1998 fundou a Polish Festival Orchestra para o acompanhar em digressão pelo mundo inteiro na comemoração dos 150 anos da morte de Chopin. No dia 18, Krystian Zimerman actua a solo no Grande Auditório da Gulbenkian e consigo viajam dois pianos que utilizará para interpretar J.S. Bach, Partita Nº 2, em Dó menor, BWV 826; Beethoven, Sonata Nº 8, em Dó menor, op.13, Patética; Mozart, Sonata Nº 10, em Dó maior, K.330; Chopin, Sonata Nº 3, em Si menor, op.58. Imperdível.

Um samurai lusitano na diáspora

A vida tem destas coisas. Às vezes não conhecemos as pessoas, nunca as vimos, nunca falámos com elas, nem lhes enviámos um email, um sms, nada, mas simpatizamos com elas. Mas é assim mesmo: inexplicável. Foi assim com o Nuno, que acaba de ter a excelente notícia que ficará no reino do Japão durante pelo menos mais dois anos. E assim, eis como um brilhante arquitecto português em início de carreira (e que gosta de moleskines), arrisca tornar-se num samurai. É certo, por enquanto é apenas um gaijin em Tóquio, mas com o talento que se adivinha e com o bem que escreve, estão assegurados o sucesso numa carreira e, para nós, óptimas leituras num blog muito mais que apenas recomendável. Boa sorte puto.

14 de março de 2008

Fevereiro 2005, Sucumbência de uma manhã

Dizia-te da terra

Mas a terra...
Sem surpresa,
teimava em terminar junto ao mar
na rebentação matinal
preenchida pelo aroma de pescarias
das traineras de cores garridas
brilhando ao Sol.

Falava-te também, nessas horas,
do Sul, dos mistérios de todas as terras
e dos mares banhados com a essência de lugares remotos
nunca esquecidos
que adivinhavamos ao luar.

Ou
falava-te antes de lugar algum
egoisticamente apenas de mim
Mas queria no fundo que me falasses de ti
porque precisava de sucumbir às tuas palavras.

11 de março de 2008

Gunter Haese, sem título
LomoPhoto Arc08

Pode um homem reduzir-se a um grito?

Chegou!



Desculpa, mas não nos conhecemos de qualquer lado?
Claro, que cabeça a minha. Sabes? tive saudades tuas. Estás com óptimo aspecto. Por favor, puxa uma cadeira, toma um café e conta-me o que andaste a fazer todo este tempo. Que bom rever-te.

7 de março de 2008

Black Magic


(no title)

Noite e dia
som opaco flutuando em Luz real.
It's Friday, all is dangerously right
in the spyderman's web.
"- Onde estás?"
"- Aqui. Azul. Branco. Encarnado. Enrolando os dedos nos teus cabelos
aromatizados com perfume de mirtilo"

6 de março de 2008

Avante! Clandestino

Numa iniciativa louvável, o PCP acaba de compilar todas as edições do «Avante», desde Fevereiro de 1931 a 25 de Abril de 1974. A partir de agora estas podem ser consultadas aqui. Nada de preconceitos, são documentos históricos de elevada valia. Um senão: é preciso saber-se a alcunha de quem escrevia, dada a clandestinidade da autoria.

Transcrito do próprio site: «Avante!» Clandestino O «Avante!» foi o jornal comunista clandestino que em todo o mundo, durante mais tempo, foi sempre produzido no interior de um país dominado por uma ditadura fascista.
Durante décadas – de 15 de Fevereiro de 1931 ao 25 de Abril de 1974 – o órgão central do PCP orientou e mobilizou as lutas da classe operária e de todos os trabalhadores em pequenas e grandes batalhas contra o capital e contra o regime fundado por Salazar e prosseguido por Caetano, orientou e mobilizou sectores democráticos que perfilharam, com os comunistas, uma política de unidade antifascista visando o derrubamento da ditadura terrorista dos monopólios e dos latifúndios aliados ao imperialismo e a conquista da liberdade e da democracia.


Noite

Oiço-te a escrever
Ainda.
Nos limites obscuros da minha transparência
és a face oculta da minha existência
o nome da minha escrita.
Negra noite
hoje o mais belo momento, os teus cabelos,
o perfume.

Posso passar o resto desta noite sem escrever
e sem tristeza, discorrendo sobre ti,
vestindo o brilho negro que me preenche.
Oiço-te a escrever
enquanto o vento abana a árvore lá fora
nesta noite negra, brilhante.

"Onde estás?"
"- Estou bem."

4 de março de 2008

Anne-Sophie Mutter

Ainda arte. "O golpe de asa que distingue o sábio do proficiente". Um dos comentários ao post sobre Gotthard Graubner (v. abaixo) termina assim. E é mesmo isso que distingue Anne-Sophie Mutter de tantos outros exímios violinistas. Não é o Stradivarius, nem o facto de ser uma magnífica executante (seria apenas mais uma), nem de ser extremamente apelativo o seu estilo enquanto toca. Se não, seria apenas forma. E não é, é sobretudo conteúdo, como se em cada nota das suas execuções se abrisse uma garrafa de champanhe e assim se ouvisse uma sinfonia de rolhas saltitantes. O prazer de ouvi-la é intenso, vibrante, inebriante. A execução técnica, formal, perfeita passa, pois, para segundo plano. A emoção perspassa pela música, a intensidade de sentimento colocada em cada nota faz-nos vibrar irresistivelmente. Em efervescência, somos transportados ao longo de cada composição que interpreta, transformada num misto de espontaneidade e cor, como se de um fogo de artifício se tratasse, porque é essa a ilusão que temos. Já não é apenas paixão, ao longo das composições a nota seguinte passa a ser desejada com intensidade. É isto que Anne-Sophie Mutter consegue transmitir. A menina-princesa que despertou o interesse de Herbert von Karajan cresceu e é agora uma rainha com extrema densidade e conteúdo emocional. Qui plus est, especialista em Mozart. Ouvi-la na Sinfonia Paris, de Mozart, será talvez o expoente máximo da ilusão "fogo de artifício".

Veja-se (post anterior com vídeo) O Inverno, sobretudo o primeiro andamento da quarta sinfonia de As Quatro Estações de Vivaldi. O Inverno da peça, famosa sobretudo pelo primeiro andamento da sinfonia de abertura (de A Primavera), adquire com Anne-Sophie uma dimensão fantástica, destacado-se dos demais andamentos pela pujança vibratória. Um cenário branco (com que é fácil sonhar, de resto) transporta-nos para paisagens imaginariamente geladas, onde flutuam pinturas de Gotthard Graubner, pintadas ao som de Vivaldi. Na peça, o minimalismo de uma interpretação com solistas (no caso, Os Solistas de Trondheim) de fino recorte permite a máxima expressão da liberdade interpretativa de cada instrumento, libertado da opressão de uma orquestra. A ausência de maestro, substituído pela solista de violino e com o ritmo imposto pelo cravo, permite que os sentimentos planem por sobre a música. Pode o Inverno ter fogo? Sem dúvida, quando a forma que assume tem conteúdo.