6 de junho de 2011

Ontem, o deserto


Ao olhar, um dia depois do escrutínio, para os resultados eleitorais, ocorrem-me os versos crepusculares de Neruda, não os do "Farewell", mas os do velho cego, que na língua materna assim chorava:

Viejo ciego, llorabas cuando tu vida era
Buena, cuando tenías en tus ojos el sol:
Pero si ya el silencio llegó, qué es lo que esperas,
Qué es lo que esperas, ciego, qué esperas del dolor?

[...]

Y si por la amargura más bruta del destino,
Animal viejo e ciego, no sabes el camino,
Yo que tengo dos ojos te lo puedo enseñar.

Não cabe aqui saber se o cego foi Sócrates, ou Portugal e os portugueses. Não cabe procurar responsabilidades, nem apurar culpas onde nem o PS nem toda a esquerda o conseguiram ontem fazer, em cada um dos discursos. E assim, ontem ficou por perceber o que falhou na estratégia, no percurso e nos desígnios políticos dos seis anos de PS em Portugal e de maioria de esquerda. Ficou por perceber o que podia (e devia) ter sido diferente para evitar a entrada do FMI, do colapso do Estado Social, da alternativa ao neoliberalismo tão temido, quando era apregoado que fora este o causador e a origem de todos os males. Ficou por perceber o que andou a esquerda portuguesa a fazer, quando o mundo ocidental foi sucumbindo aos ataques predatórios que a esquerda esclarecida tão bem soube identificar e satanizar. A troika não aterrou em Portugal de surpresa nem sem aviso, antes pelo contrário, foram feitos avisos e o caminho que a isso conduziu foi sendo negligentemente preparado pelo governo. A direita, sem verdadeiramente contar com isso, limitou-se a dar a estocada final no vitelo moribundo.

Isso foi evidente ontem, porque mesmo no meio do discurso eloquente mas óbvio (de Sócrates) e constrangedores de falta de explicações (de Louçã e Jerónimo), percebeu-se o deserto. A bem do pluralismo, espera-se que, erros semelhantes, jamais, venham de onde vierem. À atenção do senhor que segue que saiba identificar o essencial, evitando os abortos governativos, e deixando em paz, por exemplo, a interrupção voluntária da gravidez para que não se tenha de interromper a nova legislatura. Haja, pois, lucidez e decência.

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PS: Faltou dizer que não se percebe porque motivo Francisco Louçã não se demitiu na noite de Domingo. Por ter deixado o seu eleitorado à deriva, órfão de ideologia e desencaixado da realidade económica do país (a colagem ao PCP e a falta à reunião com a troika só conseguiu passar a mensagem que era um partido que não queria governar e por isso faria sentido recusar-lhe o voto) . Era esta a hombridade mínima que se esperaria do segundo grande derrotado da noite. Se o fizer amanhã, ou esperar pelo próximo congresso, ou convenção, como se diz no Bloco, a sua demissão pecará por tardia.
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1 comentário:

cat disse...

e bom senso... lucidez, decência e acima de tudo bom senso, que tão desaparecido tem andado da cena política....