6 de dezembro de 2013

Morreu o sócio número 31118




O jornal Público de hoje referia que a obra de Mandela foi a liberdade. Nem mais, nem menos e com toda a propriedade. Da luta, das palavras, dos sacrifícios, dos acertos e dos desacertos, das palavras, a liberdade é o grande legado de Mandela para as gerações presentes e futuras. A liberdade no mais lato sentido que se lhe possa atribuir, onde cada homem tem o mesmo valor do seu igual, sem qualquer condicionante ou limitação. A liberdade de conviver com o outro sem ira, sem procurar acertos de contas com o passado, sem outro compromisso que não deixar um mundo melhor que aquele que encontrou.

Para além do Homem, morreu ainda o advogado, o homem que no desempenho da sua profissão tem como única obrigação ser livre e independente na defesa das suas causas. E Nelson Mandela foi livre como poucos no exercício da sua profissão, afirmando-se como o exemplo do que pode e deve ser o exercício da advocacia para defesa da Justiça, da Igualdade dos Direitos, Liberdades e Garantias.

Last but not the least, morreu ainda o sócio número 31118 do Sporting Clube de Portugal.







19 de novembro de 2013

Manhã outonal

Bosque de bétulas, G. Klimt, Viena, 1902


Não é ainda o Outono. É um céu azul que pressentimos efémero, uma leve cinza a elevar-se ao longe, diluindo o horizonte, o verde das folhas das bétulas e o das das árvores vizinhas, a seiva a abrandar dentro dos troncos. A promessa da água que há-de vir antes de, de novo, a luz raiar, ainda uma luz de Verão, mas agora filtrada e sem pressas, o calor apaziguado. Por instantes pensamos que ao mundo é possível devolver uma ordem, um equilíbrio, enfim, dar-lhe um nome que não tropece nas suas próprias sílabas. 

7 de julho de 2013

Road to 40

No planeamento da viagem a Tombouktou vem pesando bastante o aspecto cultural. Neste campo,  a construção e as técnicas empregues no "país Dogon", a escolha dos materiais, mormente a argila, e a combinação de materiais primários na construção dos edifícios principais.

Hoje, este inseto mostrou-me que a universalidade da edificação de estruturas é transversal às espécies no planeta. Após várias dezenas de viagens, a sua habitação vai tomando forma. O país Dogon, progressivamente reproduzido de forma liliputiana neste alpendre, preenche-nos.



30 de maio de 2013

O palhaço

Miguel Sousa Tavares corre o risco de ser condenado por difamar o presidente da república. Ter-lhe-á atribuído o epíteto de palhaço. A wikipedia define  a figura do palhaço de forma assaz simplista e a Priberam encontra  várias definições para a profissão. O problema é que Cavaco vem-se colocando a jeito desde que foi fazer a célebre rodagem do Citroen à Figueira da Foz, em 1995, formou governo e se rodeou da maior seita de malfeitores de que há memória no país. Não vale, obviamente, a pena recordar os episódios dos seguranças, da crise da ponte, dos seus tristes tabus, do BPN, das ações vendidas com mais-valias, do episódio da moradia na Praia da Coelha, da vivenda Mariani, da forma como foi pedida a fiscalização da constitucionalidade do último orçamento, da trapalhada que isso representou, ou o bolo-rei atravessado nas maxilas do presidente. Nada disso foi, na opinião de Cavaco, suficientemente burlesco e só por si não justificava o epíteto, pelo que  MST deve, obviamente, ser condenado por desrespeito da figura presidencial. 

Evidentemente, devem tambem ser doravante ser condenados todos aqueles que de ora em diante se referirem a Dom Sebastião como um efeminado, a Dom João VI como um desertor ou a António de Oliveira Salazar como um ditador sanguinário. O próprio Marquês não escaparia a um título menos edifcante depois da responsabilidade que lhe é hisotoricamente atribuída na tragédia dos Távoras.Todos eles foram figuras de proa da nação e portanto qualquer ofensa ou comentário negativo no tom referido pode ser interpretado como uma ofensa a uma insígnia nacional e portanto suscetível de determinar a punição do autor de qualquer comentário menos digno para a figura em causa. Está assim salvaguardada - com as devidas diferenças - a honra de figuras como Adolfo Hitler, Estaline ou Hugo Chavez, todos eles democraticamente eleitos.

Obviamente, a questão vai muito para além disso e vai ao ponto de ser necessário separar a figura do PR da figura do cidadão Cavaco Silva. E este não se pode simultaneamente travestir de uma pele e de outra, consoante  as suas conveniências. Dito de outra forma, a Cavaco e aos demais políticos dee ser vedado mimetizarem-se como lhes convem, sob pena de estar em causa a transparência do exercício das suas profissões e de uso inadmissível das imunidades conferidas pelos seu mandatos. Assim, uma vez na arena politica (para que não restem dúvidas, não estou a chamar os bois pelos nomes), aos políticos exige-se que se comportem como tal e não como artistas de um circo que a política, claramente, não pode ser - com todo o respeito pelos artistas de circo e sem querer com isto limitar a escolha da profissão que cada homem pode livremente eleger, dado que um politico pode ter preferência por malabaristas, equilibristas, trapezistas, mestres de cerimónias ou as duas vertentes da carreira de palhaço, o pobre e o rico.

Cavaco podia ter dito que não era um palhaço e justificava, se entendesse necessário, que a expressão não se lhe cola, escolhendo outra profissão, que não a da PR obviamente, cujos desígnios, lhe escapam por completo. E com isso o assunto se encerraria. Com a sua atitude, conseguiu colocar o país a discutir se é um palhaço ou não e, na melhor das hipóteses, será um magistrado a decidir se Miguel Sousa Tavares tem razão. Não sei porquê, talvez, como diz o povo português, Cavaco se tenha colocado nos cornos do boi (e não lhe estou a chamar toureiro) e o episódio seja um espinho cravado na sua desejada reforma dourada.

18 de abril de 2013

11 de fevereiro de 2013

Quinze minutos antes de ti


O Tiago Mesquita, do 100 reféns, publica esta semana um dos mais belos poemas de amor que me lembro de ter lido. Valem bem a pena os quinze segundos que se levam a lê-lo.

Quinze minutos antes de ti

Não te quero perder, meu amor
Não quero sentir a falta dos teus cabelos brancos
Nem o cheiro doce da tua velhice
Não quero ficar sozinho no nosso sofá
Sem a alegria da tua metade

Não quero ter saudades tuas
Mais do que as que que sinto
Durante os minutos
Que passo na cozinha a fazer o chá da tarde
Ou quando acordo estremunhado a meio da noite
E inerte, fico a admirar-te
Ronronas como uma gata feliz
Passo ao de leve a minha mão calejada nas tuas rugas
Os teus olhos tremelicam como duas borboletas
E juntas percorrem o meu estômago apaixonado

Troco minutos do teu sorriso por anos de vida
Sem ti seriam anos toscos
No meio de sombras que não desejo
Não me interessa viver sem calçar os teus chinelos por engano
Sem ver as nossas bengalas cruzadas aos pés da cama
Não poder tocar-te, esvazia-me
Não te beijar, seca-me

Por isso peço-te
Se partires, meu amor, leva-me contigo
E se não puderes fazê-lo
Sussurra-me de leve no ouvido,
Como tantas vezes fazes, e arrepias-me a alma
Ao dizeres que me vais amar sempre
E juro-te que só para continuarmos juntos
Parto quinze minutos antes de ti


Publicado na Antologia de Poesia Contemporânea Vol. VI - Entre o sono e o sonho - Tomo II - Chiado Editora - 2013


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