29 de outubro de 2018

Aqui não há poeta porque

Um poeta
administra a tristeza
parcimoniosamente
tem a cabeça na infância
e o coração na ambulância.

26 de outubro de 2018

A noite

Esta noite
flutua
tem um nome
não o da lua
ou de quem a contempla
Esta noite
é clara
sem fadiga na alma
embalada
por pedacinhos de papel
rasgados
da memória
soprados pelo vento
Esta noite
cai sobre a terra
não se vai embora
acende-me
                           para sempre


Chuva

          - Ouves?
a chuva a bater na porta
nas pedras da calçada
na escada do terraço
tudo está debaixo de água

          como palavras
brotando devagar de uma nascente
do bater de asas de uma borboleta
compassadamente
para me entontecer

          - Vês?
a claridade
a luminosidade dos dias
eriçando as noites
empalidecendo as horas

          - como paisagens
invisíveis pintadas
rostos de sorrisos voláteis
crianças correndo mergulhadas
em sonhos de oiro

          - Sentes?
a vida a desfilar
num poema contínuo
de asas estendidas
exalando a serenidade
                                      dos dias

22 de outubro de 2018

Aqui

Queria dizer-te onde estiveres
meu amor, que hoje fez sol
Se o teu rosto aqui estivesse
os teus olhos iluminar-se-iam
e varreriam a aridez das minhas palavras
A tua boca abrir-se-ia
como a estrela
da madrugada
refletindo o seu sorriso
na lua no rio

em segredo
as minhas mãos banham-se nas tuas águas
e acariciam a tua luz diáfana.

19 de outubro de 2018

Estados transitórios

ver no espelho
a alegria ou a tristeza
sentir
o pânico ou o lume
o calor
os lábios, os nervos
o rumor
da lenha a crepitar
o teu perfume

a convulsão das pequenas coisas

a soprar-me lentamente
para o mar

17 de outubro de 2018

Mediterrâneo

Nada
reduzido a nada
a alegria multiplicada por tudo
o mundo de pernas para o ar
o vento assobiando nas copas
raras
rios nascendo no mar
paisagens percorridas em vertigem
oceanos trespassados
por sons subliminares da alma
figuras voláteis
nómadas
flutuando em portos recônditos
esboçando sonhos
ao sol esvoaçando
um canto
                                                     [onde estás pequena emilie?]
azul
a sul
sem sul
nem norte
rebelde
O que vejo não se canta
enterra-se na areia
em silêncio
e marca-se um "x"
no mapa
como um tesouro