9 de julho de 2008

Pablo Picasso, Boulevard Montmartre de Nuit
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Enquanto esperava, Louis trouxe-lhe um embrulho, que depositou numa mesa baixa de carvalho puído pelo tempo e pelo uso. Podia sentir-se a textura das palavras e dos estilos literários que lhe passaram pelo tempo aveludado.
- Cá estão Xavier, não foi fácil, mas cá estão! - exibiu o alfarrabista com um sorriso generoso.
- Nem sei como te agradecer, Louis... - retribuiu Xavier.
- Tomei a liberdade de lhes passar uma vista de olhos e não são grande peça literária. Quer dizer, prendem a atenção, mas não são nada de magnífico. Em todo o caso, o segundo é melhor que o primeiro.
- E o terceiro? - perguntou Xavier ansioso.
- Vou precisar de mais tempo, meu caro. Há um depósitos de livros perto de Montigny que fica com as sobras das editoras falidas. O responsável é um velho conhecido meu e ele está a pesquisar os títulos, mas aquilo é um mundo e portanto demora o seu tempo, dado que os exemplares mais antigos não estão no registo informático.
Cuidadosamente, Xavier puxou pelo cordel que encerrava o embrulho e abriu-o cuidadosamente. Dentro, iluminados pela luz baixa, dois volumes em capa discreta, o primeiro em tons de violeta e o segundo em tons esverdeados. Em ambos, as páginas amarelecidades e os tipos empregues no texto denunciavam a idade. O primeiro tinha por título "Noites do Estreito" e o segundo "Sul". Ambos de Eric Sevlak. Quando encontrara Clara, nessa tarde, ela lia o primeiro, enquanto Xavier tinha o segundo, mas tratavam-se de edições mais recentes. Louis acabara de lhe obter as primeiras edições de cada um deles, com os respectivos prefácios redigidos pelo próprio escritor.
[...]
Xavier descia devagar as escadarias de Montmartre com os livros debaixo do braço, quando novamente o telefone soou:
-Xavier? Sou eu, Clara, o avião parte daqui a instantes, apenas queria agradecer a tarde.
- Por favor, não agradeça, Clara, o prazer foi meu, gostei imenso.
- Adeus Xavier, espero que tenha tido sorte em Montmartre.
- Em parte sim. Depois conto-lhe o que descobri sobre Sevlak. Tenha um óptimo vôo.
- Até breve Xavier.
- Até breve Clara.
[...]
Cerca da meia-noite Javier levantou-se e foi à varanda. O ar de Sevilha era agora respirável e as cortinas do quarto esvoaçavam levemente. Acendeu um cigarro, sentou-se numa cadeira por baixo do tecto abobadado e ficou no escuro a ouvir os ecos da Judería que lhe chegavam por cima dos muros exteriores do jardim.
[...]
A essa mesa hora Consuelo Jímenez fechava a porta do seu gabinete, nas traseiras do edifício onde funcionava o mais recente dos Asador Jímenez, uma pequena cadeia de restaurantes que aprendera a gerir de forma superior. Consuelo tinha-se tornado numa empresária de sucesso depois da morte de Raúl, seu marido. Era igualmente uma mãe extremosa de três crianças pequenas, mas não era uma mulher feliz apesar de ser essa a imagem que dela emanava.

2 comentários:

CCF disse...

Gostei imenso da última frase, talvez por conhecer muitas mulheres assim. Outras que não eu, que sempre pareci triste sem ser.
~CC~

Anónimo disse...

Tantas mulheres. E homens? Haverá homens falsamente felizes. Sempre felizes!! Sem uma interrogação, sem uma dúvida.

Há também homens assim, não tinha visto muitos, é certo, mas agora sei que existem.

Nada os demove do seu caminho, as pessoas que têm, ( não me enganei, não são que acompanham) são sempre as certas. Há mulheres e homens capazes de terem "as/os" mulheres/homens da vida deles, sem hesitações a uma cadência de cinco em quatro anos. Muito felizes...T