21 de julho de 2008

Two dirty old guys

A escolha não era óbvia, mas no final não havia outra alternativa: perder Lou Reed no Campo Pequeno ou dar uma saltada ao Passeio de Algés e - possivelmente - despedirmo-nos de Leonard Cohen? Se tivesse mesmo de optar? Duro, duro... possivelmente Lou Reed teria ganho, mas felizmente, por uma vez, valeu a pena morar na província e ir aos dois.
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Cohen representou ao longo de todo o concerto um papel que não é o seu, mas ficou-lhe bem ser cavalheiro aos 73 anos. Dir-se-ia que o foi toda a vida. O Judeu esteve impecável em 5 ou 6 músicas do alinhamento e o arranjo de Hallellujah foi brilhante, com a estrela de David estilizada em dois corações entrelaçados (um romântico, este Cohen?) com neon ao melhor jeito de um casino de Las Vegas. Mas que casino, é de dizer. Valeu a pena no entanto sentir todo o cinismo de I' m Your Man (quase que se conseguia ouvir Cohen a rir baixinho por baixo do chapéu preto), emoldurado por 4 ou 5 apresentações dos músicos, onde se destacaram talvez Rafael Gayol, o baterista, o pianista Neil Larsen e a vocalista Sharon Robinson, tudo devidamente caricaturizado pela excessiva repetição de uma vénia agradecendo aos cerca de dez mil espectadores com um delicadíssimo - Thank you for your kind attention. Até houve direito a intervalo de quase 15 minutos, como nos melhores cabarets, apenas interrompido quando o público o chamou de regresso ao palco. E o velho Cohen voltou, a trote (desta vez sem o cavalo branco de outras actuações), mas evitou tocar no tema do amor profundo - esquivou-se a tocar o que quer que fosse de Songs of Love and Hate - mas mergulhou no sex, drugs & rock and roll (e mais fundo até) do seu repertório, sem contemplações, mas com o mesmo ar com que agradecia ao público a sua presença. Um facínora, no seu melhor estilo, este Cohen. E o público gostou e saiu a tocar sinos; there's a crack in everything, that's how the light gets in.
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Já Lou Reed: sabia-se ao que vinha, nada de passar a pente fino um repertório, que vamos antes falar de Berlin, de um sucesso ao retardador, uma bomba-relógio que demorou mais de 30 anos a explodir. E que explosão, que arranjos perfeitos, as músicas perfeitamente mascaradas. Qui plus est, ouvir Reed com uma filha de oito anos ao lado, é uma experiência inolvidável. Berlin, o album mais depressivo de Reed, amadureceu e tornou-se uma referência com o passar do tempo. Nada de cinismos aqui, portanto. Reed é claro, mesmo no desprezo que demonstra por vezes pelo público, com quem comunica através de um ou outro gesto, ou de uma palavra. Mas não desta vez, Lou Reed estava bem disposto, não cancelou nenhum dos concertos em Portugal, em Loulé foi pontual e terminou com um inolvidável Satellite of Love, completamente rearranjado e em dueto com Fernando Saunders, devidamente acompanhado ao longo da actuação por membros do New London's Children Choir e da London Metropolitan Orchestra.
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E deixou-nos um segredo, em jeito de Action Against Hunger que dá pelo nome de Power of Heart. How far would you go for love? - é a pergunta do teaser.

Lou Reed, Satellite of Love

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