28 de dezembro de 2009

"Arbeit macht frei"

Mea culpa, tenho andado a escrever pouco. Deve ser da qualidade da lenha que ando a utilizar, incita-me mais à contemplação que ao trabalho. Mas há acasos na vida. Eis, pois, um desses acasos: a propósito do furto da placa da entrada de Auschwitz (donde o título deste post), há dias, descobri que o compositor francês Olivier Messiaen foi preso pelas tropas alemãs mais ou menos ao tempo do início da invasão polaca. Não esteve inicialmente em Auschwitz, mas numa prisão vizinha, igualmente no Sul da Polónia.

O. Messiaen, Quatuor pour la fin du temps

Nessa condiçã,o compôs Quatuor pour la fin du temps. Entre os seus companheiros de cela figuravan um clarinetista, um violinista e um violoncelista. Messiaen padecia de subnutrição e tinha frequentemente visões acerca do princípio da eternidade. A peça foi pela primeira vez exibida em 1941 perante cinco mil prisioneiros do campo. Acerca do segundo movimento, Messiaen escreveu: "The first and third parts (very short) evoke the power of this mighty angel, a rainbow upon his head and clothed with a cloud, who sets one foot on the sea and one foot on the earth. In the middle section are the impalpable harmonies of heaven. In the piano, sweet cascades of blue-orange chords, enclosing in their distant chimes the almost plainchant song of the violin and violoncello".
É uma peça incontornável na música contemporânea, sobretudo na associação de instrumentos que coloca em cena (o que faz um piano nesta peça? O que fazia um piano em Auschwitz?). Mas é muito mais que isso. Marca o fim da linha para Messiaen, como para tanta gente, entre a qual, o compositor checo Pavel Haas, cuja obra acabo de começar a descobrir.

29 de novembro de 2009

2ª Sinfonia de Mahler, "Ressureição"

Cerca do minuto 22´ da peça acima, que coincide com o final do primeiro andamento, irrompem aplausos do público. É algo comum no decurso de uma peça, mas muito provavelmenteno neste caso, numa campa rasa no cemitério de Grinzig, perto de Viena, Gustav Mahler contorce-se na sua sepultura. Apenas porque quando compôs a peça deixou instruções específicas para que houvesse cinco minutos de silêncio entre o Primeiro e os demais andamentos, os quais deveriam ser utilizados para contemplação (1).

Um acto de fé? Provavelmente não, mas serve pelo menos para a meditação acerca da pergunta "há vida depois da morte?" que cada um de nós se faz em cada funeral, retratado no Primeiro Andamento e a recordação de uma existência feliz do falecido, celebrada no Segundo. A peça prossegue, entre dúvidas e questões que de certa forma permitem a reconciliação entre Deus e o homem, terminando com uma mensagem de esperança segundo a qual ninguém deve temer o Dia do Juízo Final, independentemente da fé que professe.

Voltamos então à pergunta: "um acto de fé?". Seguramente que não, por não haver a referência a um Deus explícito. Tudo se cinge ao simples "eu" humano. E quando dizemos "eu", é mesmo de Mahler que se trata. Donde, a necessidade da pausa entre a primeira parte da peça (o Primeiro Andamento) e a segunda parte (composta pelos quatro andamentos seguintes). De resto, é um tema caro ao compositor, que o repete nas suas sinfonias seguintes. Disto isto, refira-se, a parte musical é sublime (a mais interessante peça de Mahler?), fazendo lembrar a "nona" de Beethoven a espaços, quiça por culpa de um coro que repete vozes de andamentos anteriores? Mas como evitá-lo, se as dúvidas e os pensamentos que reflecte são emuladas dos versos anteriores, enquanto preparam o apoteótico e optimista final?

Apague a luz e deixe-se guiar. No final encontrará, com comoção garantida, outro "eu". Se tiver a sorte de saber onde encontrar a peça conduzida por Leonard Bernstein em DVD, acrescente-a à sua "wish list" deste Natal.

(1) Uma excepção a isto foi feita pelo próprio Mahler, numa carta dirigida a Julius Buths, Maestro, que dirigiu a Orquestra de Dusseldorf em 1903 o qual conseguiu arranjar a peça, dotando-a de uma pausa entre o quarto e quinto andamentos. Apesar disso, Mahler não deixouu de observar que não se devia abdicar da primeira pausa.

4 de novembro de 2009

2666




Os vinte minutos iniciais tiveram um tom trágico onde a palavra destino foi usada dez vezes e a palavra amizade vinte e quatro. O nome de Liz Norton foi pronunciado cinquenta vezes, nove delas em vão. A palavra Paris foi dita em sete ocasiões. Madrid, em oito. A palavra amor foi pronunciada duas vezes, uma por cada um. A palavra horror foi pronunciada em seis ocasiões e a palavra felicidade numa (empregou-a Espinoza). A palavra resolução foi dita em doze ocasiões. A palavra solipsismo, em sete. A palavra categoria, no singular e no plural, em nove. A palavra estruturalismo, numa (Pelletier). O termo literatura norte-americana, em três. As palavras jantar e jantamos, pequeno-almoço e sandes, em dezanove. As palavras olhos, mãos e cabeleira, em catorze. Depois a conversa tornou-se mais fluída.

Roberto Bolano, 2666
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A escrita tem coisas espantosas. Pegue-se no diálogo transcrito acima, por exemplo, da autoria do chileno Roberto Bolaño, onde o próprio autor utiliza um método quantitativo para analisar o excerto do diálogo entre dois amigos filólogos. O número associado à palavra revela um grande domínio desta, de tal forma que a estatística se constitui como um método para acentuar uma ideia, ou apenas para subtilmente a introduzir na narrativa. Por si só, o exercício constitui um recurso literário fabuloso, pela liberdade que proporciona ao autor. Mas há mais. Para melhor o exemplificar refira-se que, há dias, Saramago referia, a propósito do dilúvio de críticas que se abateu sobre Caim, que mais não fez que analisar a bíblia sob um ponto de vista puramente linguístico, olhando apenas para as palavras e para a sua sequência, posição e organização. Não teceu considerações morais, nem nenhumas de outra natureza especial. A análise da palavra no seu estado puro, portanto, numa perspectiva meramente linguística ou literária, se assim preferirmos. Eis então o que há de especial em Bolaño, a perfeita escolha das palavras, não meramente no aspecto qualitativo, mas sobretudo - não vá o leitor estar distraído - no quantitativo. A mesma palavra assume-se como verbo, nome e adjectivo, liberta-se das convenções, torna-se fim e princípio, como o algarismo num número composto.
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Mas há mais: se nos abstrairmos da estatística que a mera contabilidade das palavras constitui e pegarmos numa ferramenta como o Wordle, por exemplo, é possível reutilizar o método estatístico para criar composições literárias a partir de textos nos quais as palavras mais predominantes são visualmente salientadas, permitindo de forma mais ou menos directa fixar as suas principais ideias e matrizes. E então a palavra assume um conteúdo gráfico e visual, sem se esvaziar, porque se mantém intacta, porventura livre de amarras emergentes de leis gramaticais.
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Eis-nos então a olhar para 2666 sob o ponto de vista estético. E quanto ao conteúdo? Proust disse a dada altura que a prova de que estamos perante um grande escritor reside no facto de a sua escrita nos surgir imediatamente como feia. Na verdade, apenas escritores mais medíocres devem escrever maravilhosamente, uma vez que eles simplesmente procuram reflectir a nossa pré-concebida noção do que a que beleza é; não temos qualquer problema de compreender que um escritor medíocre o é, dado que já lemos o que escreve, se não nas suas páginas, pelo menos nas de outro, muitas vezes, anteriormente. Quando um escritor é verdadeiramente original, o fracasso em ser convencionalmente atractivo faz-nos vê-lo, inicialmente, como disforme, desajeitado, ou até perverso. Só depois aprendemos como lê-lo e então percebemos que a fealdade da escrita é realmente um novo tipo, totalmente inesperado, de beleza e que aquilo que parecia errado na sua escrita é exactamente o que o torna grande.
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Isto aplica-se a 2666. E aplica-se à forma, ao posicionamento, mas igualmente ao conteúdo das palavras no texto. Olhe-se por que perspectiva se olhar, à décima página estamos definitivamente agarrados como a uma maldição da qual não queremos libertar-nos. A este propósito, a Slate afirmou que 2666 é a trajectória do universo no limiar do apocalipse. Sem dúvida. Mas acrescentamos que é o apocalipse de Bolaño, mergulhado no mais íntimo do seu incontornável legado: o seu próprio sangue.

18 de outubro de 2009

'A flor máis grande do mundo'

A Inês enviou-me uma mensagem muito bonita. Fui lê-la e tive uma surpresa, que partilho convosco. Espero que gostem, como eu gostei. Obrigado filha.


6 de outubro de 2009

"Tout est lié. Tout est vivant. Tout est interdependant". Com esta citação começa "Le viol de l'imaginaire", 2002, livro escrito por Aminata Traoré, antiga Ministra da Cultura do Mali, à margem do Forum Social de Porto Alegre, realizado em 2001, aquele acerca do qual Boaventura de Sousa Santos afirmou ser o princípio do futuro.


C’est tel un tambour à l’aube des temps nouveaux que l’appel de Porto Alegre m’est parvenu. Mon cour de femme africaine, qui sait pourquoi il pleure, s’est alors mis à chanter l’esperance en exprimant mon rêve d’alternative à haute voix. Nous étions venus des milliers dans la capitale du Rio Grande do Sul (Bresil), munis de nos histoires de vie individuelles et collectives que nous voulions désormais différentes. Nous nous côtoyons - Rouges, Noirs, Blancs, Jaunes - en peuples arc-en-ciel - et solidaires dans cette quête commune d’un monde meilleur, conscients, fiers et respectueux de nos différences qui font le sel de la terre. Je me sentais de mon peuple, de mon continent et de ce monde de "quêteurs" de liens et de sens à la vie. Et je me sentais bien.
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No livro, Amina denuncia a voracidade do liberalismo e do racismo dos tempos coloniais e ao mesmo tempo o neo-liberalismo e o neo-racismo pós-coloniais, ideias que acentua numa obra escrita en 2004, "Lettres d'une Africaine à la France". Os seus discursos indiciam um combate pela dignidade, pela igualdade e pelo transnacionalismo africano cuja unidade e dignidade procura defender contra a ideia da piedade por África, afinal e em última análise o factor primordial em que assenta o mais enraizado racismo europeu, fonte do falhanço do continente, que é apenas igualado pelas políticas desastrosas do FMI, do Banco Mundial e da corrupção de alguns governantes africanos. Donde, para Amina, o falhanço actual de África assenta na ruína de três ideias, a saber: a económica, a política e a falha civilizacional, cuja correcção constitui a chave da resolução do problema e do princípio do futuro. À data, Amina preparava o Forum Social que decorreu em Bamako, Mali, em 2006.
Concorde-se ou não, as ideias de Amina merecem ser debatidas, repensadas e articuladas num contexto de relacionamento entre continentes, mas sobretudo entre gentes que são transcontinentais, sobretudo porque encontram reflexo numa forma de pensar que, no que nos interessa, pode ser africana, sul-americana ou asiática. Mas sobretudo, porque constitui uma maioria entre as minorias, o sentir africano não se cinge hoje aos africanos de e em África, mas aos muitos milhões que povoam a Europa do presente e que se sentem traídos no passado, alimentando um profundo ódio que abraça e alcança o futuro, hipotecando-o enquanto semeia as bases de uma discórdia que a breve trecho se não resolve. A falta de informação gera a incompreensão, a crise de identidades e o conflito, que apenas acentua a ruptura e a violência. No limite, o maior flagelo, a flor do racismo, desabrocha nestes confrontos ideológicos onde a intolerância se revela total e onde a herança cultural, a religião e raça procuram forjar heranças que mais não são que traços defensivos que assentam em identidades que, como dizia Amin Maalouf, se revelam, afinal, assassinas.


Diego Stocco Sound Design Video Reel 2008 from Diego Stocco on Vimeo.

Já aqui se falou do som das cores ou da cor do som. E nessa medida tudo à nossa volta seria som, ou antes tudo seria cor. É absolutamente irrelevante, na medida em que os dois universos se confundem e catalogar uma das duas realidades tornar-se-ia impossível, porventura, no limite, um absurdo. Mas será assim mesmo? E se, as próprias palavras, adquirindo um ritmo e sons próprios, também tivessem cores? Ou se as cores tivessem palavras? Múltiplas palavras? E um poema ou um texto pudesse ter uma conotação pictórica? Afinal, não raras vezes dizemos que um livro é cinzento, ou que determinado autor é pesado, como se o peso em si pudesse definir a densidade das palavras.
E se agora se imaginasse que tudo à nossa volta, em vez de cor e som, fosse... música? Ou seja, como se o som das coisas, a reverberação de cada corpo, pudesse ter múltiplas notas musicais com as quais fosse possível compor paletes de sons, que por sua vez pudessem permitir a criação de composições, sinfonias, concertos? Imagine-se uma composição composta com o som de passos num soalho, ou de areia do mar a cair sobre diversas superfícies, ou uma árvore de um jardim, ou até um instrumento musical utilizado de forma completamente diversa daquela para a qual foi criado. Um exemplo descrito na primeira pessoa:
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Imagine-se a infinitude de possibilidades que o sampling dos sons do mundo poderia ter se, adaptado numa realidade musical que combinada com o código das cores e das luzes, pudesse criar uma dimensão nova e paralela com a nossa. Delírio puro, pensar-se-ia. E no entanto, Diego Stocco - um auto-intitulado sound designer - vem fazendo isso há alguns anos a esta parte. Goste-se ou não, o resultado tem um impacto a que não se consegue ficar indiferente.
O vídeo acima é uma mistura de vários vídeos de Stocco.

28 de setembro de 2009

Cai o pano

(e depois do pano cair)
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Tu não entendeste
a importância de um corpo metamorfoseado
em silêncio a cada grito calado
no reflexo dos amanheceres calcários da cidade

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Tu não entendeste
a relevância de cada percurso nómada
ou o contorno longínquo dos sopés
irrigados de orvalho e geada em deriva lenta

.
Tu desdenhaste
os meus amanheceres imperfeitos
à beira de um rio imaginário
sem atenderes ao movimento dos meus lábios
.
Tu
somente as esquinas maquilhadas

das avenidas do mundo

25 de setembro de 2009

XI Encontro de Música Antiga de Loulé

A XI edição começa hoje e prolonga-se até 25 de Outubro. Imperdíveis deverão ser os espectáculos desta noite, em Quarteira, mas igualmente o espectáculo de homenagem a Handel de 4 de Outubro, na Edifício Duarte Pacheco, em Loulé e o Concert Brisé de dia 16, na Igreja de Querença.
olhar o Mar
sem pensar
é tudo o que sei fazer
sem acreditar em nada
sem tocar na água
antes Arder

[aquáticas palavras]
em lume brando
a 25 de Setembro

23 de setembro de 2009

Às voltas na blogosfera


felicita sala é romana e estudou filosofia. ouve nick cave, tom waits, seu jorge, ojos de brujo, aquaragia drom, moni ovadia, nino meloni, chavela vargas, cocorosie, harry belafonte, midlake, j. tillman, beirut, massimo giangrande, la rue kétanou, camarón de la Isla, portishead, architecture in helsinki, the dirty three, roots reggae, beck, björk, françoiz breut e klezmer. não se pode portanto falar de mau gosto musical. e para além do mais, pinta. muito bem. vale, pois, a pena passar demoradamente pelo babouche rouge.

17 de setembro de 2009


A vida escoando-se em torrente
Ruin
uma dispersão em que medito
is when man-made
sem nostalgia
becomes part of nature

Lazila pertencia à classe de mulheres que trabalhava na aldeia. Nunca tinha tido filhos e um acidente na infância privara-a dessa possibilidade, pelo que nunca um homem a tomara. O pai, primeiro, e a mãe a seguir, morreram de desgosto e cada uma das irmãs foi partindo, melhor dizendo levadas, pelos estrangeiros de passagem pela aldeia, que a troco de umas moedas descansavam a consciência do soba. Lazila não. Os seus olhos, espessos como ameixas, inspiravam receio nos homens, ao ponto de um deles se ter oferecido para a matar. O soba pensou, mas pareceu-lhe que dispender umas moedas para isso seria um desperdício. E para além do mais, quem iria buscar água ao rio, ou levar o gado a beber na secura do estio?
O ancião, acocorado à porta da palhota, deixou cair um punhado de grãos na poeira do solo e ficou a olhar para as pequenas bolas espalhadas. O conhecimento exaustivo ditado por centenas de arremessos permitiu-lhe afirmar com segurança que não choveria nessa semana. Nem talvez nesse mês e dentro de dias o rio secaria, trazendo consigo os gafanhotos que devorariam a colheita e picariam os animais, espantando-os para longe.
Chamou Izam, o filho do soba, entregou-lhe uma vara e mandou-o procurar água longe. Que levasse Lazila consigo. Ao cair do dia ela regressou, sozinha, à aldeia, trazendo uma cabaça de água equilibrada na cabeça, um fino fio de sangue escorrendo pelo canto do lábio. O soba arremessou novamente os grãos e entoou um canto fúnebre quando a fogueira foi avivada. A vida prosseguiu em seguida. O lábio de Lazila cicatrizou e a seca nunca chegou.

Road to 40

14 de setembro de 2009


Soa a deja vu e no entanto é um filme novo numa sequela que demorou mais de vinte anos a produzir. Um elenco de luxo foi mobilizado, recheado de actores e figurantes do lado de cá e de lá do Atlântico, ao nível das mais ambiciosas produções da Globo e da RTP. O realizador anterior mudou-se para o Cazaquistão com a sua santa (não sem antes passar por Londres, entenda-se) e foi substituído. Pelo caminho foi reunido o orçamento de uma superprodução sem equivalência anterior. Estreia em 2010, mas pode haver já uma ante-estreia em 2009. A não perder, num estádio perto de si.

6 de setembro de 2009

... o tempo e o vento
correndo em paralelo
entre as dunas e os canaviais
Assim fui aprendendo
que a tua boca
[a] nada sabe
como um espaço sem tempo
como um tempo sem lugar.
...
Desistiu. Alícia Aguado não atendera apesar da insistência de Consuelo Jímenez. Refugiou-se do calor e dos pensamentos que a perseguiam numa bodega onde o vinho tinto era correctamente servido muito abaixo da temperatura ambiente de Sevilha. Pediu um tinto de veraño, depositando no conteúdo da taça refrigerada a confiança de bons conselhos na organização dos seus pensamentos.

14 de agosto de 2009

Luc Arbogast

Luc Arbogast joue une musique inspirée de la France médiévale et surtout de la tradition paysanne où se chevauche mélancolie et spiritualité. Ce musicien autodidacte manie le clair-obscur avec ferveur et beaucoup de sincérité. Il s'inspire parfois de cantiguas de Santa Maria et de lieder de Walter von der Vogelweide, de Hildegard von Bingen, ou de Guillaume de Machault.On dit qu'il a également le secret de nombreux morceaux chantés traditionnels réarrangés par ses soins ou composés par lui, tel un branle double mélancolique chanté en français, qui aborde la mélancolie de l'enfance perdue, par un texte plus contemporain ainsi que des chants inspirés de scénes du quotidien de la vie du moyen-âge au début du xxeme siècle: Chants de quète, amour courtois, deuil, mariages...

20 de julho de 2009

Na maré vasa
uma mariposa volteia
e logo desaparece
Farewell my butterfly.
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Treze segundos depois as portas abriram-se no piso térreo. Consuelo adivinhou o sorriso do desconhecido, agradeceu a amabilidade dq primazia do passo e precipitou-se para o exterior, mal conseguindo digerir o evidente desejo sedutor do estranho, a camisa escura impecavelmente engomada e os cabelos brancos que com esta contrastavam, crendo que o seu perfume aprisionaria aquela bonita mulher num feitiço. Consuelo reconheceu nesse instante cada homem que a tentara seduzir ao longo de uma vida. O sorriso, o relógio, os sapatos de marca, os gestos. Apoiou-se numa parede branca para recuperar o fôlego que lhe faltava, fosse pelo estranho encontro, fosse pelo calor sufocante da cidade. O desconhecido sonegara-lhe as forças, criara em si um sentimento que agora se apercebia que lhe fora imposto por Richard. Richard que a tratava tão bem, mas que ao mesmo tempo a suficava como agora o fazia o ar de Sevilha. Pensou nas crianças, de férias com a irmã em Puerto de Santa Maria. Esse mês em outros anos sabia-lhe bem, era o tempo de partilha com Javier Falcón. Mas agora não era assim, sentia-se insegura e com saudades dos pequenos. Procurou o telefone na mala e discou o número da irmã. Do outro lado, apenas o operadora lhe respondeu educadamente, sem disfarçar uma voz de sotaque asturiano. Encaminhou-se para a praça de táxis deserta. Ao fim de vinte minutos de espera, sentiu as força a abandonarem-na, sentindo a agonia de uma borboleta sem asas contorcendo-se no estômago apertado. Ligou então para Alícia Aguado, a psicóloga cega, cujo apartamento, com um dos terraços mais floridos da cidade, pouco distava dali.

13 de julho de 2009


Não tenho mais ninguém em quem pensar
Sempre que faço amor:
fico nervosa
não sei
mas esta boca sabe-me a uma boca estranha
Am I crazy?
Penso nos teus lábios [sem os tocar] há uma eternidade
Am I crazy?
Não tenho mais ninguém em quem pensar
Esta língua parece-me acre
Mas é apenas impressão minha
Tenho a certeza

I am not crazy

Os meus seios não mentem
Sonho com o teu pescoço sem par
Estas sombras no alpendre

oscilando soltas ao vento
inquietam-me como fantasmas do passado
dançando sob a luz trémula de uma vela
Am I crazy?

Wagner?
Intermezzo.
Mauvaise chance?
Wrong choice.

Consuelo Jímenez fechou a porta do seu luxuoso apartamento, certificou-se que ficara bem trancada e dirigiu-se para o elevador. Este estava ocupado, pelo que aguardou no patamar. Trinta segundos depois as portas abriram-se em par, permitindo o acesso ao interior, onde um homem bem parecido, mais novo, de roupa desportiva e barba de dois dias, a cumprimentou com um sorriso largo. Hesitou, mas decidiu entrar no espaço exíguo, sem contemplar as feições do desconhecido.

22 de junho de 2009

Imortal

O tempo das espigas
nos campos amarelos
antes da desfolhada
da queda das folhas
queimadas pelo sol no fim da estação.

Tudo passa
ou perece

Antes parece

Uma mariposa volteia
e desaparece.
Permanecem

2 de junho de 2009

Um Med de luxo


Rabi Abou Khalil abre "em Português". Seguem-se Stewart Copeland, Buena Vista Social Club, Kimmo Pohjonen Uniko, Camané, Bajo Fondo, Dub Asante, Ojos de Brujo, entre outros, embora não por esta ordem. E Rokia Traoré fecha. Não, não é brincadeira, é tudo muito a sério e por isso se dirá que não é apenas uma, mas duas mãos cheias de motivos para não se perder o Med deste ano, que começa a 24 e se prolonga até 28 de Junho. Garantidamente, os empurrões, pisadelas e filas de espera nas tasquinhas valeriam a pena só pela animação musical que haverá nos seis palcos, mas ainda há muito mais a não perder. O problema é que ainda faltam vinte e dois longos dias para começar.

7 de maio de 2009

Sobre o post anterior:
Imagine-se que Mozart, o jovem compositor, certo do seu sucesso e farto do jugo paternal, decide emancipar-se e destarte, por altura do seu vigésimo quinto aniversário, refugia-se em Viena, a capital. Imagine-se que essa mesma Viena, a magnífica capital do império, se encontra atravessada, varada, submersa por diversas culturas que ali fervilham. Menos de cinquenta anos antes, a cidade encontrava-se cercada pelos otomanos e resistira bravamente, marcando, com a ajuda do exército polaco, o princípio do declínio dos turcos. Evidentemente, a cidade vencedora não é estanque, nem imune à influência e às marcas que o invasor deixou nos arredores da capital. O comércio fervilha, os mercadores empreendem e, alcançada a paz, uma fervorosa troca de contactos com o oriente inicia-se e enraiza-se. As feiras, os mercados, as trocas intensificam-se e os mesmos espaços são partilhados tanto a oriente como a ocidente; as fronteiras são incertas e as religiões atravessam as regiões, as pessoas convivem mais ou menos pacífica e harmoniosamente, mesmo que os fiéis não se cruzem nas ruas geladas do inverno vienense.
A urbe possui templos católicos, ortodoxos, muçulmanos e judeus e na rua os pregadores atropelam-se na oração e na propalação da palavra de deus. De um deus, de um qualquer deus. N´importe qui, c´est dieu quand même.
Mozart apaixona-se pela pessoa errada, que não é outra senao a filha do seu senhorio vienense, alguém que não agrada a Leopold, a figura paterna. O amor chama, mas não triunfa imediatamente pela oposição paternal. Há a questão material e há uma emancipação não inteiramente conquistada, nem assegurada enquanto Leopold é vivo.
Mas o amor sucumbre a um pedido de casamento, adiado para um dia, mas é um pedido sério, dependente de uma emancipação futura. Uma promessa de espera que se manterá porque o jovem Wolfgang tem apenas 25 anos e tem de se afirmar na sociedade vienense, económica e pessoalmente. Entretanto, uma comissão para uma peça é-lhe proposta, um libretto em alemão, para quebrar a hegemonia italiana, frequentemente criticada pelo seu pobre texto, francamente em desequilíbrio face à qualidade musical que as peças evidenciavam. Eis pois a tentação de audaciosamente aproveitar excertos de composições menores que resvalam entre o fracasso e o fiasco, mas que dão origem a versões sucessivamente retocadas de Die Entführung aus dem Serail, uma peça clássica, totalmente dedicada ao amor de um jovem casal cujo happy end na versão final permitiu a consagração de Mozart, homenageada até pelo arcebispo com um encorajador nada mau. A peça é marcada pela influência turca, admissível tendo em conta um fraco império otomano que não mais constituiu uma ameaça para o império austro-húngaro, e apresenta-nos a magnanimidade de um senhor otomano que poupa a vida a um cristão quando este procura salvar a sua amada de um harém. Possivelmente o otomano representa a figura paterna de Leopold, algo que também pode ser visto na estátua no Don Giovanni.
A primeira das peças foi retratada até no odioso Amadeus de Milos Forman, mas mesmo ali é possível ver a influência oriental na música do compositor de Salzburgo. E tudo teria ficado por aqui, não fosse um certo Rondo alla Turca, onde o tema é retomado, mas há sobretudo a enigmática missa em Dó menor cujo sexto andamento, um Qui Tollis magnífico, quase divino, volta a apresentar o mesmo ritmo oriental, a despeito da religiosidade católica que o impregna. A explicação (uma mera especulação?) pode estar no facto de a missa em Dó menor poder ter sido dedicada a Constanze, a sua amada, e ter sido composta para ser representada aquando do casamento de Mozart com esta. No Qui Tollis parece ter sido recuperado um compasso oriental, o que é tanto mais estranho dado o carácter solene e religioso da composição, mas parece evidente uma subliminar batida de coração, ou o arfar de uma respiração própria das composições orientais, ao longo da peça, onde o ritmo é marcado quase ao balanço de um tempo por segundo, o que é algo de inédito e único (que eu saiba) na composição mozartiana, facto que não passou igualmente despercebido ao criticado Hugues de Courson no trabalho Mozart l'égyptien vol. 2 (2005).
O mais surpreendente, porventura a pedra de toque, reside no facto de uma grande parte do Qui Tollis voltar a estar presente no Kyrie da derradeira composição mozartiana, o Requiem com que encerra a sua carreira de compositor. Que sentido fará, pois, tudo isto? Evidentemente, podemos voltar ao princípio deste blog e dizer que a realidade é circular. Todavia, podemos tirar um significado mais profundo de tudo isto e chegar à conclusão que na música, na composição e na obra de Mozart, parafraseando Rabih Abou-Khalil, existe uma fascinante porta, uma brecha que permite a comunicação entre diversas culturas, afinal a maior porta que se ambiciona abrir, aquelaque separa o ocidente do oriente. Não estamos, pois, apenas perante uma influência, mas sim perante uma verdadeira troca cultural que pode perfeitamente ser recíproca, ou não fosse a Azan muçulmana coincidente nos seus desígnios com o Qui Tollis mozartiano.
Mais, o próprio tempo da entoação do cântico é compatível com a composição de Mozart. O Oriente encontra, pois, o Ocidente - suprema ironia - numa composição religiosa do maior compositor de todos os tempos.
Para finalizar, porque nada é inocente: experimente-se , no post anterior, depois de se ouvir individualmente cada uma das peças, colocar as três peças a tocar ao mesmo tempo, adaptando o volume de som, num rudimentar sampling de vozes (no nosso caso experimentámos misturar as três utilizando o Windows Movie Maker e o resultado foi espantoso) . Veja-se então o efeito e diga-se se no ponto exacto da mistura de vozes não se retira um sentido que, sendo pessoal e variando com a sensibilidade de cada um, não deixa de arrepiar. Sim, a realidade é, de facto, circular, acrescentaria apenas, no limite da sensibilidade de cada um.

20 de abril de 2009

Kutiman mixes You Tube

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What you are about to see is a mix of unrelated You Tube videos/clips edited toghether to create
Thru You.
In other words, what you see is what you hear.
.
.

18 de abril de 2009

CAC em Vilamoura

Álvaro Lapa
S/ título
Técnica mista sobre madeira


Para mostrar o que de bom se faz por cá, é inaugurado, no próximo Domingo, dia 19, em Vilamoura, o novo Centro de Arte Contemporânea, situado nas instalações da antiga Sociedade Agrícola da Quinta de Quarteira. Estarão expostos trabalhos de Álvaro Lapa, Cristina Ataíde, Graça Morais, Helena Almeida, Ilda David, João Galrão, João Vieira, Jorge Martins, Jorge Molder, José Pedro Croft, Júlio Pomar, Pedro Calapez, Pedro Portugal, Pedro Proença, Pedro Tudela, Rui Chafes, Rui Sanches e Vasco Araújo.

15 de abril de 2009

A Sul de Melilla


I can still hear their voice miles and years away from the camp. Their voices sounded like whispering chords recorded in the middle of the southern desert, like small particles of sand blowed by the winds impacting millenar desert rocks.
Por vezes ainda acordo com um tremor, uma gota de suor escorrendo-me pela testa, enquanto me esforço por apagar o olhar de cada uma das crianças que vi através da rede do campo de refugiados. Nunca o disse a ninguém, porque sei que não me acreditariam, apesar de ser notícia todos os dias. Mas é demasiado pesado, demasiado indescritível para poder ser (ir)real.
Et pourtant, je sais qu' ils son reéls, je leur ai touché de ma main, de ma peau; ils me suivent partout avec l' esprit du desert, comme si je suis son ambassadeur et ils esperent que je produirai les efforts essentiels que leur permetront de vivre, même s´ils sont parfois deja morts.
Olho para o outro lado da vedação e revejo a mesma esperança d' "Os Comediantes" de Greene, unidos numa noite tão negra que seria impossível escurecê-la ainda mais. Aqui não há nenhum Medea a bordo do qual os personagens possam aspirar escapar do inferno; na realidade, o mar constituiu em muitos dos casos uma ponte e simultaneamente um sepulcro onde ficaram sepultadas as suas esperanças ou as suas famílias. Falta-lhes, talvez, um escritor que se predisponha e centrá-los num "booker" ou num "nobel" que lhes coloque o nome na lombada de um livro que chame a atenção do mundo para o seu dilema.

13 de abril de 2009

Dansul

diz que dançam

Dansul é um projecto para implementar actividades ligadas à dança, dinamizando a comunidade que vive no baixo Alentejo com alternativas ao nível do entretenimento e da experiência com processos criativos e acções de formação. O grupo "irradia" a partir de Mértola, mas abrange desde o primeiro ano igualmente os municípios de Beja e Castro Verde. Entre Outubro 2008 e Abril 2009 decorreram aulas regulares e oficinas pontuais de dança, um espectáculo criado de raiz com bailarinas de Mértola, e a apresentação de três peças para o público infanto-juvenil, feitas por companhias profissionais convidadas que estão em Lisboa e Oeiras. A produção é da AMDA, uma associação que tem como objectivos a dinamização sócio-cultural da população e a oferta de oportunidades de desenvolvimento profissional e artístico das pessoas que promovem estas actividades.

3 de abril de 2009

Nocturnas

Bebe do meu cântaro
enchi-o para ti
como uma alma inteira
para matar a sede

Como um pedaço de sol
que aquece no tempo da ceifa
ou o beijo de uma boca
verdadeira, que beija

Versos que encantam
em noites de lua
pontes suspensas
entre a terra e o merry-go-round

de um coração ao sabor da eternidade.



Le Manege Carre Senart from cesar on Vimeo.

(em Portimão, a partir de Sábado, 4 de Abril, até 3 de Maio, enquanto a partir de hoje há piratas à solta no Algarve)

27 de março de 2009

Avelino Ferreira Torres foi absolvido de todos os crimes de que era acusado. Começou mais cedo a comemoração do dia mundial do teatro.

19 de março de 2009

Pequenos espectáculos


a sombra
da folhagem da figueira
e mais nada
neste preci(o)so instante

Im-per-dí-vel

Entre 24 e 26 de Abril, no CCB, mais de 400 músicos vão traçar e trilhar um percurso na música, desde Johann Sebastian Bach até aos dias de hoje. São mais de 70 concertos a interpretar obras compostas por J.S. Bach ou por compositores que foram por si fortemente influenciados.

17 de março de 2009

Os estados-nómadas


A forma de Estado Federal é uma solução para a compatibilização e possibilitação do modo de vida de um povo nómada e sem território fixo dentro das fronteiras de um Estado multi-étnico mas de maioria sedentarizada? Dito de outra forma, pode a federação ser a associação de um estado sob a forma tradicional (neste sentido se entendendo como dotado de povo, território e poder político) com outro Estado que contenha o elemento povo e poder político e o território seja algo de relativamente indefinido?

No início da década de noventa não teria dúvidas em responder negativamente à pergunta. Mas hoje, ao olhar para o problema palestiniano de uma Palestina com povo, território (cada vez menor, é certo) e poder político (fraco) por comparação com a nação tuaregue, cigana, cã ou masai (povo e poder político, sem território), tenho as maiores dúvidas sobre a actualidade da caracterização do Estado moderno teorizado por G. Jellinek e por M. Duverger.

E a verdade é que os modernos desafios, a necessidade de uma cada vez mais estruturada sociedade internacional vieram acentuar a necessidade de se repensar a questão. É que, se hoje a ameaça do terrorismo força que se pense que a guerra não seja apenas travada entre Estados, mas igualmente com grupos de indivíduos, não fará sentido reconhecer, em tempo de paz, o direito à autodeterminação de nações, ou de grupos de indivíduos dotados de uma identidade, cultura e poder político próprios, mas sem território estável, porque herdeiros de uma forma de estar milenar? E assim chamá-los ao Forum Mundial de países, a fim de os vincular a normas e tratados internacionais, dotando-os da necessária soberania? Afinal, que sentido faz a primazia do sedentarismo em detrimento do nomadismo, afinal a primeira das formas de organização humana?


A questão é tanto mais pertinente quanto hoje em dia a velocidade e disponibilidade na circulação da informação permite facilmente gerir a dispersão de pessoas sem fixação a um território geo-político.

O que nos leva a uma outra ordem de questões: pode um estado-nómada ser viável? Se o for, pode constituir um risco e uma ameaça para os estados tradicionais, caso seja viável? É essa ameaça/temor que tem condicionado a criação de estados-nómadas, ou a criação de federações com estados-nómadas?

16 de março de 2009

Onde um tipo decide falar com os seus botões porque sim, sem querer chegar a lado nenhum a não ser ao fundo de uma garrafa de vinho

Há dias, mais exactamente na segunda-feira passada, enquanto passeava o cão (na verdade é uma cadela, mas para o efeito é irrelevante), de casaco vestido (o facto de ter casaco vestido também é irrelevante), pensava para com os meus botões (e, de resto, o tal casco vestido não tem nenhum botão) sobre onde diabo teria eu a cabeça quando decidi adoptar um cão que me obriga a sair de casa para ir alçar a perna duas vezes por dia, que se diverte a babar o chão e a manifestar efusivamente a sua alegria de cada vez que acordo de manhã ou quando chego a casa ao final do dia. Embora a pergunta fosse de retórica, lá a fui repetindo de quando em vez, enquanto procurava uma faixa no leitor de música, ao mesmo tempo que me tornava num voyeur das abluções da minha quadrúpede companheira. Encontrada a faixa certa, ajeitei os fones e "stand up comedy" invade-me o inner space no exacto momento em que avisto uma fila de lagartas à beira do passeio. Páro por instantes, saltando em seguida por cima dos bichos com o cuidado de não os pisar ou perturbar a sua labuta e viro-lhes costas seguindo caminho... quando subitamente um arrepio me percorre friamente a espinha assim que me recordo que as lagartas não são assim tão irrelevantes se pensarmos que os cães, para além de um instinto e de um olfacto muito apurado, são igualmente as criaturas que melhor conhecem a Lei de Murphy. Desgraçadamente, descubro então que sou o feliz proprietário de um animal que conhece a famigerada lei ao detalhe pois, quando termino de me virar tão lentamente quanto posso constato imediatamente um pequeno hiato na fila de lagartas, prontamente confirmado pelo ar satisfeito da Blackie (considere-se o leitor apresentado ao cão que para efeitos desta crónica é indiferente que seja cadela). E assim, pela segunda vez nessa noite, volto a trocar ideias com os meus botões inexistentes no casaco irrelevante enquanto acelero pela 125 que já tevedias mais azuis fora, a tentar perceber que graça achará um cão (ou uma cadela) em provar o sabor de um cacho de lagartas do pinheiro às dez da noite. Nesta altura, no leitor já desfilava "cedars of Lebanon", o que até batia certo com o aspecto do focinho do animal, que então tinha mudado de raça, numa metamorfose notável que a levou a passar do típico aspecto bonacheirão de uma labrador para o de uma temível bull terrier. Se quisermos, mais realisticamente ainda, pense-se na imagem de uma daquelas respeitáveis senhoras cuja auto-estima se recarrega a seringas de botox cirurgicamente administradas aos sábados à tarde, em festas de solidariedade para com os seus egos, para termos uma imagem mais fiel do aspecto do animal.
Já no regresso, aliviado pelo facto de o bicho se ter safado sem grandes mazelas (pelo menos menores que as que tenho desde que me armei em Fabien Barrel ontem de manhã), decidi castigá-la (não sei se já referi que se trata de uma cadela, mas não é importante) com a Leninegrado de Shostakovich, mas o esgar de dor do animal, fez-me mudar de ideias e fiquei-me pelas Goldberg Variations porque, convenhamos, seis ou sete lagartas não deixam ninguém com apetite para os vinte e tal minutos do primeiro andamento da Leninegrado. Assim, tomei acessoriamente a decisão de até ao final da semana não mais querer saber de lagartas. Evidentemente, isso foi sem pensar que, depois dos cães, as segundas criaturas que melhor conhecem a Lei de Murphy são os jogadores do Sporting. Ponto final portanto, neste assunto de lagartos e lagartas.
Mas dizia, eis como um animal nos muda a vida e nos põe a conversar com os botões (o que apesar de tudo sempre é mais saudável que falar com o espelho, não se vá cair na tentação do botox) e a andar de havaianas e calcões pela rua de um recomendável bairro familiar, à noite, dando motivo aos vizinhos que se cruzam connosco a caminho do caixote do lixo, de nos perguntarem com o ar mais complacente, retoricamente é certo, enquanto nos conta os pelos das pernas ainda brancas "então lá vai passear o cãozinho, não é verdade?". Nessas alturas respondo (para com os meus botões evidentemente) "não, vou ali a uma festa botox no 89", mas evidentemente que mesmo que o dissesse sempre seria desmentido pela trela que ostento na mão e pelas Helly Hansen de onde sobressaem os dedos "white as snow" dos meus pés.
E porque um mal nunca vem só, como se não bastassem o vizinhos, a minha própria filha mais nova de vez em quando passou a perguntar-me "pai, porque é que agora usas chinelos?" o que, convenhamos, sempre é melhor que a mais velha que rindo me pergunta porque é que bebo sempre vinho às refeições. Tenho conseguido adiar a resposta porque desconfio que nenhuma delas se satisfaria com um "porque sim", por isso aproveito para desencaixar as Helly Hansen e encher o copo (de vinho) enquanto procuro uma repostas convincente, até para mim. Saúde. I'll Go Crazy If I Don't Go Crazy Tonight. À tua Blackie, morituri te salutant em Tripoli.
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PS: antes que me esqueça: tudo quanto acima se escreveu é tão perfeitamente irrelevante quanto o casaco que no episódio relatado este humilde escriba tinha vestido

Unchained weekend

Para comemorar os seus 30 anos, a Rádio Comercial brindou os seus ouvintes ao longo de todo o fim de semana com 48 horas seguidas de albuns dos U2, em exclusivo. Se o nível for o mesmo, mal posso esperar pela comemoração dos 40 da Comercial.
Entretanto, cedi à tentação de fazer o "quiz test" onde a pergunta é SE VOCÊ FOSSE UMA MÚSICA DOS U2, QUAL SERIA? O resultado não foi inesperado, mas fica para mim.

9 de março de 2009

How colorful is your personality?

Nem sempre olhamos para os electrodomésticos do dia-a-dia como eles merecem. E embora passemos grande parte da nossa vida diante deles, não permitimos que se transformem numa exteriorização da nossa própria personalidade. Tendo como base essa lacuna, a Amana (grupo Whirlpool) criou uma linha de frigoríficos (porventura o maior mono que uma cozinha pode ter) que tornam este electrodoméstico no MVP de qualquer cozinha. Vale, por isso, a pena uma visita ao site da marca, onde não falta um teste de personalidade ao utilizador, num imaginativo e divertido truque de marketing.

2 de março de 2009

Em dia de lançamento de novo album dos U2, uma recomendação

Africa Celebrates U2 - Pride (In The Name Of Love)


Billboard Magazine: "A rare beauty" (Ver mais)
Giant Step: "Pays tribute to the music, culture and future of Africa" (
Ver mais)


Stand By Me: play for change around the world

Boa semana!

Uma curiosidade


Há coincidências que não lembram ao próprio diabo. No dia 20 de Fevereiro, sem me ter predisposto a isso, mas apenas porque o pensamento le levou para aí, escrevi um post dedicado a Mano Dayak, o tuaregue que lutou pelo reconhecimento dos direito do seu povo. Não maliano ou do Níger, mas tuaregue, que é uma nação própria, de gente nómada e livre do deserto, porventura o povo com o espírito mais livre do mundo. Mano Dayak, para além de ter estudado na Sorbonne e de ter lutado pelos direitos do seu povo, foi igualmente um conhecido guia de homens, sempre ansioso por dar a conhecer os costumes e hábitos dos seus, tendo para isso fundado uma empresa de viagens e excursões de aventura na África sahariana. Pela sua mão, homens como Thierry Sabine e José Megre conheceram o interior profundo do deserto e levaram a sua paixão ao extremo de eles próprios levarem consigo outros aventureiros. José Mégre conheceu Mano numa viagem ao Téneré e manteve uma amizade próxima com este, que durou até à morte do tuaregue, num acidente de avião. Foi por acompanhar as viagens e expedições de José Megre com uma certa regularidade, que me interessei por Mano Dayak e pela causa tuaregue, pela qual nutri e nutro uma grande simpatia.

Mas dizia que há coincidências: nunca o tinha feito, nem sabia que havia, mas esta manhã encontrei por casualidade a homepage de José Megre, quando procurava uma informação sobre a cordilheira do Atlas, porta de entrada no deserto marroquino. E na entrada, a notícia de que José Megre faleceu em 21 de Fevereiro último, ou seja, na madrugada seguinte à noite em que escrevi o post sobre Mano Dayak. Obviamente, outra coincidência: exactamente 25 anos depois da morte do meu avô. Quando parte a próxima caravana para Tombuctu?