29 de fevereiro de 2008

L' Hiver


Anne-Sophie Mutter
Vivaldi, Quatro Estações, Quarta Sinfonia, Primeiro Andamento
(acompanhamento: Solistas de Trondheim; Pinturas: Gotthard Graubner)
.
Agghiacciato tremar tra nevi algenti
Al severospirar d'orrido Vento
Correr battendo i piedi ogni momento
E pel soverchio gel batter i denti;

E passal al foco i di queti e contenti
Mentre la pioggia fuor bagna ben cento
Camminar sopra 'l ghiaccio, e a paso lento
Per timor di cader girsene intenti

Gir forte, sdrucciolar, cader a terra
Di nuovo ir sopra 'l ghiaccio e correr forte
Sin che 'l ghiaccio si rompe, e si disserra;

Sentir uscir dalle ferrate porte
Siroco, Borea e tutti e Venti in guerra.
Quest'è 'l Verno, ma tal che gioia apporte.

(Soneto italiano atribuído a Vivaldi, lido pela primeira vez em público antes da primeira apresentação da sinfonia "Inverno", na estreia de as As Quatro Estações, em Amsterdão, 1725)

Dias atlânticos (do Atlântico aos Urais)

Coro da Orquestra Sinfónica da Rádio Nacional Ucraniana

Irresistível convite. A meio da semana, um oásis nocturno. Uma fugida ao Colombo para inauguração e espreitadela à exposição de fotografia de António Barreto “Ponto de Vista – Portugal, Um Retrato Social”, que espelha o contraste e contradição entre diferentes partes de Portugal, enquadrada na comemoração do décimo aniversário da FNAC em Portugal. Em seguida, uma ida ao Coliseu para ver e ouvir a Orquestra Sinfónica da Rádio Nacional Ucraniana e respectivo coro, ambos dirigidos sob a batuta do maestro Volodymir Sheiko, em boa interpretação de Carmina Burana, de Carl Orff. Surpresa inesperada e não antecipada: a abertura da primeira parte do recital com a Nona (e última) Sinfonia de Beethoven. Enquanto isso, no Alvalade XXI, outra sinfonia em curso, sob a batuta do maestro Purovic. Há quem não acredite em dias perfeitos, pero que los hay.

Uma curiosidade: a estreia da Nona Sinfonia, no Teatro da Corte Imperial de Veneza em 1824, gerou enorme expectativa: ninguém queria perder a apresentação da sinfonia, que podia constituir a última apresentação pública de Beethoven, como sucedeu, pois nos três anos seguintes, até à sua morte, o compositor permaneceu em casa padecendo de várias doenças. O recital atingiu em pleno todas as expectativas. No final do concerto, Beethoven subiu para a plataforma de costas para o público e estava tão surdo que a solista terá tido que lhe indicar que desse a volta e assim visse o público, que o brindava com um caloroso aplauso.

Parabéns TSF

Vinte anos sempre são vinte anos, seja a ir ao fim da rua ou ao fim do mundo

26 de fevereiro de 2008

Gotthard Graubner

Gotthard Graubner, sem título

Agora pintura e a obra do alemão Gotthard Graubner (Erlbach, Alemanha, 1930-). Graubner é um antigo violinista, praticante desde a mais tenra infância. Essa influência leva-o por vezes a dar títulos musicais às suas obras. A originalidade na pintura de Graubner está na cor, que nas suas telas não é meramente simbólica, nem se limita à mistura aleatória ou significativa de cromatismos. Graubner utiliza a cor como elemento suficiente e bastante da obra, posto que o tema de cada um dos seus quadros é a cor em si mesma e esta não está dependente de nenhum elemento figurativo, é o tema central da pintura.
O ex-violinista parte deste raciocínio para exemplificar o que alguns músicos fazem igualmente, quando renunciam ao simbolismo das obras que interpretam. É o caso de Viktor Làszlò (v. post abaixo), o pintor, fotógrafo e compositor húngaro, que se centra no essencial do tema que intepreta, tornando-o, no limite, meramente acessório.
A escola alemã fala por vezes de "timbre" a propósito da pintura, da intensidade, da tonalidade, ou da própria cor da tinta. Graubner parte do oposto, como que busca a tonalidade certa para cada acórdão da música que ouve enquanto pinta. De certa forma, é um trajecto inverso ao normal, que visa encontrar a cor do seu próprio sistema harmónico enquanto busca ilustrar reacções à música que escuta quando pinta. Se se quiser, vive de passar para a tela as percepções pessoais e os sentimentos que os acordes musicais lhe despertam. Tout court.
Faça-se o que se fizer - diz Graubner - quando se fala de arte, o essencial é respirar ao mesmo ritmo da obra, seja esta de que tipo for. A diferença entre o bom praticante e o génio estará na simplificação da obra por forma a que permita ao seu espectador apreender facilmente o seu conteúdo, a sua alma, não a contemplando como um mero exercício de estilo.
(extracto de um encontro do pintor com Anne-Sophie Mutter, descrito pelo próprio na primeira pessoa)

25 de fevereiro de 2008

Esta noite, falar de arte, é falar da sétima. De Óscares.
Distribuídos assim:

Os vencedores da 80ª edição dos Óscares

Melhor Filme

Este país não é para velhos de Joel e Ethan Coen

Melhor Realizador

Joel Coen e Ethan Coen com Este país não é para velhos

Melhor Actor

Daniel Day Lewis em Haverá sangue

Melhor Actriz

Marion Cotillard em La Vie en Rose

Melhor Actor Secundário

Javier Bardem em Este país não é para velhos

Melhor Acrtiz Secundária

Tilda Swinton em Michael Clayton Uma questão de consciência

Melhor Argumento Adaptado

Joel e Ethan Coen com Este país não é para velhos

Melhor Argumento Original

Diablo Cody com Juno

Melhor Filme Estrangeiro

Os Falsificadores (Áustria) realizador Stefan Ruzowitzky

Óscar Honorário

Robert Boyle

Melhor Canção

Glen Hansard e Marketa Irglova em Once

Melhor Banda Sonora

Dario Marianelli em Expiação

Melhor Documentário em Curta Metragem

Cynthia Wade e Vanessa Roth em Freeheld

Melhor Documentário em Longa Metragem

Táxi para o Lado Negro de Alex Gibney e Eva Orner

Melhor Fotografia

Robert Elswit em Haverá Sangue

Melhor Guarda roupa

Alexander Byrne em Elisabete a Idade de Ouro

Melhor Filme Animado

Ratatoui de Brad Bird

Melhor Caracterização

Didier Lavergne e Jan Archibald em La Vie en Rose

Melhor Efeitos Especiais

Michael Fink, Bill Westenhofer, Ben Morris e Trevor Wood em Transformers

Melhor Direcção Artística

Dante Ferretti e Francesca Lo Schiavo em Sweeney Tood

Melhor Curta Metragem

Phillippe Pollet-Villard em O Mozart dos carteiristas

Melhor Curta Metragem Animada

Suzie Templeton e Hugh Welchman em Pedro e o Lobo

Karen Baker e Per Hallberg em Últimato

Melhor Mistura de Som

Scott Millan, David Parker e Kirk Francis em Últimato

Melhor Montagem

Christopher Rouse em Últimato

24 de fevereiro de 2008

Làszlò andou por aqui...

Moholy-Nagy, People behind Venetian blinds, 1937 (Bauhaus)

e aqui tanto pode ser Berlim, como Amesterdão, Londres ou Chicago. O pintor-professor em Dassau e Weimar, a tentar provar que a pintura não se sobrepõe à fotografia enquanto arte. Arte. Ocorre perguntar, sem verdadeiramente procurar uma resposta: de que falamos quando falamos de arte?

21 de fevereiro de 2008

Esta manhã, divagando por Berlim e Bertolt Brecht II

Uma tarde, numa tarde quente de Janeiro
acordei silenciosamente

nos braços da minha amante
de pele branca, muito branca,
sob a ramagem nua de um plátano
enquanto por sobre nós o sol se derramava
encerrando uma tarde perfeita.
Uma urgência fez desfazer-me do seu abraço.
Com prudência levantei
o canto da manta
dobrada em dois cobrindo-nos
e à terra
onde fizeramos o leito.
Com passos de fauno afastei-me
aspirando o cheiro da erva fresca.

Enquanto isso, à distância de uma eternidade apenas aparente, no 3 Groschen Bar, Bertolt e Weil abrem a sua terceira garrafa de vinho ao cair da noite. Weil senta uma dançarina de formas generosas ao colo, enquanto Bertolt está indiferente ao que o rodeia. Pensa em remoinho tumultuoso num filho distante, a Sul de Munique, e numa encenação próxima que estreará em breve. E também na conversa telefónica com Charlie nessa tarde. O americano mostrou-se entusiasmado com a sua obra e deseja que o ajude na montagem de uma peça no Verão que vem. Os olhos profundos de Bertolt poisam no rebordo do copo meio vazio, no instante em que um riso nervoso de mulher o arranca aos seus pensamentos. Junto ao balcão, uma loira que já antes ali vira conversa animadamente com um oficial do exército alemão. Eva, assim se chama, meneia a cabeça de um lado para outro e, por vezes, distraidamente poisa a longa boquilha nos lábios carnudos soprando o fumo na direcção do oficial que, a custo, pacientemente, contém a sua tosse. Por fim, quando o cigarro se extingue, Eva cobre-se com um pesado casaco de pele de arminho e afasta-se com o oficial, equilibrando o passo periclitante no braço deste. Atravessa, com uma breve hesitação, a porta da rua, sentindo-se a aragem fria de Janeiro a penetrar no espaço. Sam, o pianista, atrasa-se meio tempo no compasso, o suficiente para Weil lançar um olhar reprovador na sua direcção. Bertolt levanta-se num fulgor e de rompante dirige-se para a saída, vestindo apressadamente o casaco. Na noite fria que já caiu, apressa o passo seguindo as pegadas gravadas na neve fresca, dobrando a esquina próxima a tempo de ver um Daimler negro com insignias oficiais gravadas a afastar-se com duas silhuetas dentro. Bertolt pressente que são horas de partir de Berlim. Nunca mais verá Eva, a não ser em fotografias de jornais, anos mais tarde, ao lado de um oficial baixo, de bigode curto. Suicidar-se-á a seu lado, num bunker escondido da cidade em escombros.

Antes do Sol desaparecer, acabo
a gravação das nossas iniciais na casca grossa do plátano
alto, muito alto no tronco
a tocar o céu.
A leveza da tarde dissipa-se
enquanto cai um nevoeiro branco.
Quando olho novamente, ela partiu
permanecendo apenas o seu odor na manta
que levo ao rosto
em silêncio.

Arc08, Scanned Lomo Photo

The function of words is in no sense to remind us of objects.

19 de fevereiro de 2008

Les môts et leur absence

Tell a story in five frames...

Talvez porque as palavras às vezes não sejam boas companheiras, o Flickr lança um desafio: o de contar uma história em cinco fotografias, ou menos. O único texto apenas pode ser o do título. O objectivo, segundo parece, é o de explorar a criatividade unicamente através de aspectos visuais (do autor e de quem "lê") da história, na sua dimensão dramática, cómica, romanceada, poética...

Celso Emilio Ferreiro, Longa noche de piedra
... y Palabras a la Calle

Ao mesmo tempo, o Ministério da Cultura Espanhol, o grémio de livreiros de Madrid e o de Saragoça, em parceria com diversas entidades públicas e privadas lançam, pela décima vez, a iniciativa Libros a la Calle. A ideia concretiza-se em escolher retalhos de obras de autores conhecidos e transcrevê-las para pequenos panfletos afixados em diversos locais da cidade, como sejam o de passagem frequente de pessoas, edifícios e transportes públicos. O tamanho dos textos permite que sejam lidos ou copiados em pequenos trajectos e percursos urbanos, entre estações, paragens, ou apeadeiros, incitando à descoberta ou à procura posterior do complemento do retalho encontrado.

14 de fevereiro de 2008

Marés matinais e um pensamento distante

O mar esta manhã. Quarteira, praia do porto de pesca
(foto com telefone)

A serenidade
para aceitar as coisas que não posso mudar
A coragem
para mudar o que posso
A sabedoria
para distinguir uma da outra

(escrito apócrifo atribuído a S. Francisco de Assis)

13 de fevereiro de 2008

Ballen

Queres fazer Deus rir? Conta-lhe os teus planos para o futuro.

Woody Allen

Tales of mere existence, by Lev Yilmaz

Como acabar um relacionamento



Eu não vou mais pensar nela



Lev Yilmaz é exímio na arte de parodiar os sentimentos vividos ao longo de uma relação amorosa, baseado na sua própria experiência. E consegue, como poucos, satirizar com invulgar precisão grande parte dos passos por que atravessam as relações. Há mais cinco filmes, mas estes dois são os meus preferidos no que toca à arte de respirar dentro e fora de uma relação.

11 de fevereiro de 2008

The Choice

The intellect of man is forced to choose
perfection of the life, or of the work,
And if it take the second must refuse
A heavenly mansion, raging in the dark.
When all that story's finished, what's the news?
In luck or out the toil has left its mark:
That old perplexity an empty purse,
Or the day's vanity, the night's remorse.

W.B. Yeats

O Fortuna - remix



Carl Orff revisited, não sei se da melhor forma, mas em Berlim o género pegou de estaca.