29 de novembro de 2009

2ª Sinfonia de Mahler, "Ressureição"

Cerca do minuto 22´ da peça acima, que coincide com o final do primeiro andamento, irrompem aplausos do público. É algo comum no decurso de uma peça, mas muito provavelmenteno neste caso, numa campa rasa no cemitério de Grinzig, perto de Viena, Gustav Mahler contorce-se na sua sepultura. Apenas porque quando compôs a peça deixou instruções específicas para que houvesse cinco minutos de silêncio entre o Primeiro e os demais andamentos, os quais deveriam ser utilizados para contemplação (1).

Um acto de fé? Provavelmente não, mas serve pelo menos para a meditação acerca da pergunta "há vida depois da morte?" que cada um de nós se faz em cada funeral, retratado no Primeiro Andamento e a recordação de uma existência feliz do falecido, celebrada no Segundo. A peça prossegue, entre dúvidas e questões que de certa forma permitem a reconciliação entre Deus e o homem, terminando com uma mensagem de esperança segundo a qual ninguém deve temer o Dia do Juízo Final, independentemente da fé que professe.

Voltamos então à pergunta: "um acto de fé?". Seguramente que não, por não haver a referência a um Deus explícito. Tudo se cinge ao simples "eu" humano. E quando dizemos "eu", é mesmo de Mahler que se trata. Donde, a necessidade da pausa entre a primeira parte da peça (o Primeiro Andamento) e a segunda parte (composta pelos quatro andamentos seguintes). De resto, é um tema caro ao compositor, que o repete nas suas sinfonias seguintes. Disto isto, refira-se, a parte musical é sublime (a mais interessante peça de Mahler?), fazendo lembrar a "nona" de Beethoven a espaços, quiça por culpa de um coro que repete vozes de andamentos anteriores? Mas como evitá-lo, se as dúvidas e os pensamentos que reflecte são emuladas dos versos anteriores, enquanto preparam o apoteótico e optimista final?

Apague a luz e deixe-se guiar. No final encontrará, com comoção garantida, outro "eu". Se tiver a sorte de saber onde encontrar a peça conduzida por Leonard Bernstein em DVD, acrescente-a à sua "wish list" deste Natal.

(1) Uma excepção a isto foi feita pelo próprio Mahler, numa carta dirigida a Julius Buths, Maestro, que dirigiu a Orquestra de Dusseldorf em 1903 o qual conseguiu arranjar a peça, dotando-a de uma pausa entre o quarto e quinto andamentos. Apesar disso, Mahler não deixouu de observar que não se devia abdicar da primeira pausa.

2 comentários:

Kath disse...

Caí aqui por acaso, e fui maravilhosamente supreendida por este post. Talvez eu roube o seu texto (o vídeo, com certeza, vou espalhar por aí. Esta é uma das minhas sinfonias favoritas! E suas palavras me remeteram a Im Abendrot, a última canção de Strauss, toda em maior, contando ainda com um acorde de Ré maior no final. E nos perguntamos sobre a morte. Como disse, não é bem um ato de fé, já que não se fala de Deus. Gostei muito.

E. disse...

Obrigado pela visita desde o outro lado do Atlântico. Evidentemente, retribuí a visita ao 101 e gostei imenso do que li. Vou, por isso voltar.