29 de setembro de 2008

Ryuuichi Sakamoto

(Rain)

L' art c' est le vice. On ne l' epouse pas légitimement, on le viole.

Edgar Degas

O projéctil entrou um pouco abaixo da epiglote e saiu por trás, acima da nuca. Restos do cérebro de Diogo Cuadril espalhavam-se pelo chão e na parede por trás da cadeira. Uma imensa poça de sangue alastrava no solo, encharcando o tapete granadino que revestia o mosaico hidráulico. Os olhos do comisario fitavam um lugar distante para além da parede à sua frente e se há quem diga que o último olhar de um morto grava a derradeira imagem que contempla, o olhar de Cuadril podia dizer-se à primeira vista que era o de um homem assustado com algo que provavelmente não existiu para além do instante em que a arma detonara a única cápsula alojada na câmara daquela 9.5. Estranha arma. Não era nenhuma das disponibilizadas pelo corpo policial, nem mesmo para a defesa pessoal dos membros superiores da instituição. E no entanto estava firmemente segura pela mão esquerda de Cuadril, poisada no braço esquerdo da cadeira.

- Investigue-me a proveniência da arma - pediu Javier Falcón - e sobretudo não lhe toquem, por enquanto.

- Suspeita de alguma coisa, inspector jefe? aventurou Cristina Ruiz.

- Não. Por enquanto não, ou suspeito de toda a gente - respondeu Javier Falcón enquanto contemplava o orifício de entrada do projéctil. Este estava limpo, com uma circunferência perfeita e com rara pigmentação de pólvora. A vida corria bem ao comisario pensou, enquanto lhe mediu a olho o perímetro do estômago. Tinha engordado bastante e a proeminência das vísceras era notória, acentuando o seu aspecto viscoso de réptil .

Quando terminou descalçou as finas luvas de borracha, que depositou numa bandeja estendida por um dos auxiliares. O médico legista chegara e aproveitara para lhe trazer o relatório de autópsia dos dois homens encontrados nesse dia no porto. Este confirmava que ambos tinham morrido em consequência do choque, apesar da gravidade dos ferimentos, mas trazia uma novidade de que ninguém se havia apercebido: no estômago e no esófago de cada um dos cadáveres alojavam-se respectivamente trinta moedas de um euro. Instintivamente e sem pensar duas vezes, olhou para o comisario desviando o olhar dos olhos deste, enquanto procurava o que encontrou sem custo nem surpresa: por baixo da camisa desabotoada de Diego Cuadril sentiu a frieza metálica das moedas alojadas no estômago deste. Deixou-se cair numa cadeira, enquanto sentiu um arrepio conhecido a percorrer-lhe as costas. Acabara de se aperceber que Diego Cuadril não era um homem canhoto. O rato do computador estava à direita do teclado.

1 comentário:

Anónimo disse...

Sem nome. O Oceano inteiro sabia.

Eu já não tinha vontade de esconder.

Que te bebo, e aspiro a entender todos os dias. Dois pilares,

Traves, palavras, só o teu aroma de marinheiro,

apenas a leveza da minha sede

silêncio,

tracejado a códigos e cântigos

antigos, ponte

indestrutível,

submersos

os medos

já não virão com a maré.

T