15 de janeiro de 2009

In tempus praesens: Bach encontra Gubaídulina (II)

Perdoe-se a insistência na matéria, mas é impossível resistir. A gravação da Deutsche Grammophon reproduz dois concertos de Bach com os clássicos três andamentos em cada um deles, seguido do concerto composto por Sofia Gubaidulina, este último dividido em cinco partes.
Bebendo directamente de Bach, Gubaidolina estabelece contemporaneamente uma ponte entre o ocidente e o oriente, que é também uma ponte entre o passado e o presente, que se faz (também) com apoio directo no tema da fé, posto que a compositora russa é crente, embora ortodoxa. A composição In tempus praesens (o próprio título em latim invoca a contemporaneidade da peça e ainda a retrospectiva de uma antiguidade clássica) traz-nos por isso o peso da religiosidade, do combate entre a luz e as trevas ou as sombras, manifestadas estas pelo peso das tubas, trombones e contrabaixos nos acordes iniciais, os quais passam a alternar com a luz trazida pelos timbres mais altos e agudos dos violinos e dos violoncelos, que têm o seu expoente máximo no solo minimalista (divino?) interpretado por Anne-Sophie Mutter, que anuncia em êxtase o triunfo definitivo do bem e da luz sobre as trevas. Afinal, um tema caro em Bach (donde a importância da presença dos dois concertos que antecedem a peça de Sofia), que Gubaidulina assume por inteiro, "condenando-nos" à luz e a um destino próspero, sentença "inflingida" na última parte da peça.
O corolário expressa-se como o fresco na abóbada de uma catedral, traçando um arco de estrutura perfeita, onde a matéria musical se contém dentro de formas arquitectonicas delicadamente proporcionais e harmoniosas, de cores equilibradas.
No poema anterior procurámos expressar a ideia de esferas contidas sob um tecto, flutuando, como notas desafiando a gravidade de uma pauta, despertando a sensibilidade de quem as ouve. E pode muito bem ser esse o sentimento de quem ouve In tempus praesens, na certeza de que a luz triunfa... sempre?

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