Há dias perguntavas. Se sou triste. Fiquei a pensar. Ainda há pouco. Novamente nisso. Creio que o exemplo te esclarece: dias antes, numa das avenidas da cidade, um semáforo encarnado. Uma prostituta, casaco escuro de punhos e gola coçados a descerem ao encontro de umas botas brancas, a dar pelo joelho. O verde, encavalitado na primeira mudança, a mandar-me seguir. E eu a não querer, mas a buzina atrás a empurrar-me. Estavas distraída com a conversa e provavelmente nem reparaste que. No semáforo seguinte eu tinha ficado lá atrás, a olhar para aquela mulher. Para lá das suas botas. Para a sua história possível. A caminho de uma felicidade que apenas consigo imaginar, porque o contrário me recuso a aceitar e na qual necessito de acreditar. E no entanto a dignidade. Mesmo ali havia dignidade, perante os imprompérios dos transeuntes, adolescentes, ébrios que não ouvi mas adivinhei. O respeito dos bêbados pelas putas da cidade. Podia ter passado, indiferente, ou virar a cara para o outro lado. Como tantos. Mas fiquei por instantes naquele semáforo e só te apanhei novamente no seguinte, quando a tua mão me tocou levemente no joelho e a tua boca me perguntou "Em que pensas?".
É isto, percebes? Gosto de mim assim.
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