A voz de Dayak, ou Mano, entre os seus, no deserto ou na Sorbonne. A voz é quase tudo quanto me lembro dele. Pausada, detida, como o sussuro do vento nas dunas de areia escaldante e vermelha no crepúsculo. Não guardei nenhuma fotografia do momento, nem me recordo se cheguei a tirar alguma, mas quis crer sempre que o Sol nunca se poria sobre a sua África e que teria por isso uma próxima oportunidade antes de o tempo que o levou se despenhar. Imaginar ainda hoje a voz de Mano a percorrer as planícies do Níger, rodopiando na copa das raras árvores, pausada, serena como o orvalho na noite do país Dogon, evaporando-se nos grãos de areia no romper de cada manhã, é algo que perdura no adolescente que deixei de ser quando apenas lia sobre si. A voz segura de Mano, comandando as caravas do Teneré, desviando-as do seu caminho para deixar uma pétala de rosa do deserto junto da árvore de Sabine, ajoelhar-se e verter uma lágrima, partindo em seguida enxaguando as faces macilentas com as costas da mão negra e áspera que liderou um povo na tragédia silenciosa da ausência de uma nação, é algo que fica. A lenda confunde-se com mil relatos e livros lidos. E vão 15 anos desde um breve encontro em Portalegre.
1 comentário:
Os povos mudos, os lugares esquecidos...uma voz que os canta faz mais do que qualquer guerra, pode ser que algum dia alguém a oiça.
~CC~
Enviar um comentário