16 de fevereiro de 2009

Alguém tinha sido atropelado na estrada e o motorista nem sequer tinha parado. A pouco e pouco foi-se juntando uma multidão em torno do cadáver, de modo que sob a canícula do meio-dia a atmosfera rapidamente se tornou irrespirável, mesmo antes da chegada das moscas e dos cães, atraídos pelo odor do sangue espalhado pela berma da estrada. Procurei, por isso, refúgio entre as prateleiras de uma taberna próxima, onde as garrafas acumulavam o pó da estrada que serpenteava pelo deserto adentro, rumo a cidade das caravanas. Os rótulos confundiam-se com o poeira e no interior das garrafas tanto podia haver Southern Comfort como mijo de dromedário, pelo que não arrisquei. No canto da sala havia um mestiço que se ria segurando uma lata de cerveja quente e ao lado uma espingarda pronta a cuspir a sua lei.
Ignorei-o por pouco tempo:
- Um copo de aguardente para o branco - ouvi nas minhas costas.
Voltei-me e agradeci, mas apontei para a chaleira que fervia no fogão rudimentar.
- A nossa aguardente não te agrada? provocou.
Escolhi cautelosamente as palavras acenando com a cabeça lá para fora:
- Quem é o morto?
- Carne! respondeu com os olhos vermelhos de sangue. E nem sequer presta para comer
- Há testemunhas? - perguntei.
- Que importa isso? Não há justiça nesta terra, a não ser esta - disse, enquanto alongava os dois canos sobre o colo.
Fez-me sinal para que me sentasse ao seu lado.
- Estás longe do teu caminho, branco. Que procuras?
- A estrada para Tombuctu.
- Estás longe dela.
- Esta estrada não vai dar a Tombuctu?
Por instantes pareceu dormitar:
- Todas as estradas vão para Tombuctu, as pessoas é que ficam pelo caminho. Há gerações que é assim, não sei o que vão lá fazer que não possam fazer aqui.
Acenou ao empregado, que prontamente lhe trouxe uma garrafa e dois copos.
- Bebe um copo para o caminho, branco, a viagem é longa e a estrada tem demasiada poeira para quem não está habituado ao pó das patas dos camelos. Conselho de amigo.
Sem uma pausa, bebeu o copo de um trago e ergueu-se como pôde, cambalenado até à porta, onde se esgueirou tropegamente entre as raras sombras da ainda curta tarde.
Vários dias depois, em Kenenkou, na continuação da Elyne Road, oitocentos quilómetros a Sul de Tombuctu, percebi o que me dissera o mestiço, naquele breve encontro, acerca da carne humana.
Road to forty.

1 comentário:

Anónimo disse...

You're just a bend away!