Jheza é bela, muito bela. A sua beleza só é comparável ao som da sua voz quando desliza até ao poço de água equilibrando o cântaro no alto da cabeça. O rosto jovem é de uma simplicidade desconcertante e ao fim do dia parece-me que se alonga como se procurasse diluir-se nas sombras do entardecer. Os olhos negros parecem-me duas pedras preciosas pelo brilho que deles irradia. O branco que os rodeia ainda é imaculado e quando fala, mesmo sem perceber o que diz, bebo as suas palavras, uma por uma, tentando em vão descodificar as sílabas. Por vezes tenho a sensação que se me dirige. A sua voz perdura no ar mesmo quando fica silenciosa e a sua presença flutua até mim quando se ausenta, deixando para trás, impressas no solo empoeirado, as marcas dos seus pés delicados.
Partiu para Sul dois dias antes de eu próprio sair da cidade, acompanhando os do seu povo para o grande mercado anual de Bamako. Sei que a verei todos os dias até ao fim da minha vida, há rostos que não se esquecem na eternidade de uma vida.
Jheza é bela, muito bela. A sua pele, de um tom ébano claro, é lisa. Por vezes, quando inclina o rosto para trás, este ilumina-se ainda mais, batido pelo sol; nesses instantes, quase lhe sinto a respiração e o bater do coração e se me olha, o seu sorriso branco invade-me e fico preso na curva fina dos seus lábios, até que estes se cerram e então volto a concentrar-me no brilho dos olhos, que uma leve tristeza não consegue apagar em nenhuma circunstância.
Quando o vento se levanta e o deserto parece querer aterrar em Tombuctu com estrépito, Jheza começa a cantar pausadamente uma canção milenar. E então dá-se um milagre ou apenas uma mera coincidência que a minha imaginação alimenta: a tempestade passa, a luz do dia regressa e os habitantes do bairro começam a reconstruir as suas casas ainda antes de os últimos remoinhos abandonarem a cidade despertando um gato ocasional do torpor a que regressara, estendido ao sol. Pediu-me que nunca a fotografasse.
Road to forty
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