27 de novembro de 2008

Uma tarde,
numa linda tarde de Outono
o meu olhar esbarrou no teu
de forma simples
despojada
descrevendo o arco de um poema
uma pequena melodia
sem fim
as minhas mãos procuraram as tuas
na distância
alcançando-as
enquanto sopesava o teu coração
.
Em silêncio
aprendi a gostar de ouvir o teu riso
e a mergulhar nas palavras que te adivinhava
mesmo quando nada havia a dizer
Acostumei-me
a ignorar as confusões do amor
mas não as estrelas
ou a lua
que em cada noite te oferecia
na esperança que aceitando-as
te tornasses a minha Esfinge.

25 de novembro de 2008

I have never seen anything like it: two little discs of glass suspended in front of his eyes in loops of wire. Is he blind? I could understand it if he wanted to hide blind eyes. But he is not blind. The discs are dark, they look opaque from the outside, but he can see through them. He tells me they are a new invention. "They protect one’s eyes against the glare of the sun," he says. "You would find them useful out here in the desert. They save one from squinting all the time. One has fewer headaches. Look." He touches the corners of his eyes lightly. "No wrinkles." He replaces the glasses. It is true. He has the skin of a younger man. "At home everyone wears them."
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J.M. Coetzee, Waiting for the Barbarians
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Eram pouco mais de duas da manhã, segundo o inconfundível carrilhão da igreja da Magdalena, quando o inspector jefe Javier Falcón chegou à porta da casa na juderia e se recordou que era o terceiro dia consecutivo em que não abria a caixa de correio. Assim, era apreciável a montanha de lixo que ali encontrou, desde as últimas promoções dos Preciados à liquidação total da E.Leclerc, passando pelas novidades de quartos de casal no Ikea, sem contar com os saldos no El Corte Inglés. Havia ainda um novo hamburger de callamares no McDonalds, uma carta da Endesa e outra do ayuntamento dando conta de uma nova alteração dos sentidos de trânsito em diversas ruas, a par de vários panfletos com a cara dos candidatos às eleições regionais cuja data se avizinhava. E um envelope branco, gasto e sujo, sem remetente, não enviado por via postal. Tentou vislumbrar o conteúdo, um maço de documentos, sem dúvida, mas o papel espesso não permitiu identificar do que se tratava na contraluz. Arriscou e enfiou o gume da faca da cozinha no rebordo do papel, abrindo-o de um gesto. Continha várias fotografias, a preto e branco, muitas contendo rostos de gente de olhos bem abertos, quase suplicantes, mirando a objectiva da máquina fotográfica. Gente jovem, mulheres, crianças e homens, a maior parte negros sub saharianos, mas muitas delas tinham em comum o facto de os fotografados estarem colocados atrás de grades finas ou rede metálica. Alguns prostrados no solo, vestidos com farrapos reflectindo a sua condição sub-humana, confundindo-se com o pó da terra. E por vezes homens brancos armados, envergando um uniforme e botas, invariavalmente óculos escuros, numa ou noutra fotografia, como sentinelas da desgraça alheia, de rosto fechado e vistas prolongadas apenas até à extremidade do cano da arma sujeita a tiracolo.
Um muro de tijolos. Um graffiti garatujado na pressa de uma ronda das sentinelas
i no más!
e a figura estilizada de Caronte transportando as carcaças dos ainda-vivos na sua barcaça. Esta noite não acaba? pensou Javier, enquanto abriu o frigorífico à procura de algo que a empregada temporária - como se chama ela? Não decoro o nome dela, irra, a Maria nunca mais regressa das Canarias? - pudesse ter deixado para picar. Nada, paciência, seja então pão e anchovas, pensou, lembrando-se vagamente que há cerca de seis meses tinha comprador uma lata de anchovas que nunca chegou a comer. Abriu uma garrafa de vinho e instalou-se na mesa da cozinha, revendo as fotografias, quando o telefone vibou em cima do tampo de mármore do lava-loiças. Atendeu, mas do lado de lá não ouviu nenhuma voz. A sineta do pátio soou, distraindo-o do telefone. Empunhou a arma e deslizou devagar pela porta da divisão, esgueirando-se para o pátio, encostado à parede, a tempo de ouvir alguém depositar algo na caixa de correio. Abriu o portão da rua de sopete, mas não avistou vivalma. Devagar, tornou a fechar o portão, olhando em redor por precaução. Procurou acalmar o batimento do coração nas têmporas enquanto tacteou a caixa de correio até sentir o invólucro. Um envelope idêntico ao anterior havia sido depositado. Correu de regresso à cozinha, fechando bem a porta atrás de si. Repetiu o gesto com a faca que não chegara a arrumar e não conseguiu reprimir um grito quando olhou para as fotografias que extraiu de dentro do envelope. Um homem deitado de costas num chão de terra batida mirando a câmara com ar de terror na primeira, o mesmo homem de olhar vítreo e um orifício na testa na segunda.
Maquinalmente, Javier procurou entre o primeiro lote de fotografias e reconheceu o negro entre as pessoas cujos rostos fotografados estavam espalhados por sobre a sua mesa da cozinha. deixou-se cair na cadeira e certificou-se que ainda tinha gravado no telefone o número de Alícia Aguado, a psicóloga cega.

24 de novembro de 2008

E se Obama fosse africano?

Os africanos rejubilaram com a vitória de Obama. Eu fui um deles. Depois de uma noite em claro, na irrealidade da penumbra da madrugada, as lágrimas corriam-me quando ele pronunciou o discurso de vencedor. Nesse momento, eu era também um vencedor. A mesma felicidade me atravessara quando Nelson Mandela foi libertado e o novo estadista sul-africano consolidava um caminho de dignificação de África.
Na noite de 5 de Novembro, o novo presidente norte-americano não era apenas um homem que falava. Era a sufocada voz da esperança que se reerguia, liberta, dentro de nós. Meu coração tinha votado, mesmo sem permissão: habituado a pedir pouco, eu festejava uma vitória sem dimensões. Ao sair à rua, a minha cidade se havia deslocado para Chicago, negros e brancos respirando comungando de uma mesma surpresa feliz. Porque a vitória de Obama não foi a de uma raça sobre outra: sem a participação massiva dos americanos de todas as raças (incluindo a da maioria branca) os Estados Unidos da América não nos entregariam motivo para festejarmos.
Nos dias seguintes, fui colhendo as reacções eufóricas dos mais diversos recantos do nosso continente. Pessoas anónimas, cidadãos comuns querem testemunhar a sua felicidade. Ao mesmo tempo fui tomando nota, com algumas reservas, das mensagens solidárias de dirigentes africanos. Quase todos chamavam Obama de "nosso irmão". E pensei: estarão todos esses dirigentes sendo sinceros? Será Barack Obama familiar de tanta gente politicamente tão diversa? Tenho dúvidas. Na pressa de ver preconceitos somente nos outros, não somos capazes de ver os nossos próprios racismos e xenofobias. Na pressa de condenar o Ocidente, esquecemo-nos de aceitar as lições que nos chegam desse outro lado do mundo.
Foi então que me chegou às mãos um texto de um escritor camaronês, Patrice Nganang, intitulado: " E se Obama fosse camaronês?". As questões que o meu colega dos Camarões levantava sugeriram-me perguntas diversas, formuladas agora em redor da seguinte hipótese: e se Obama fosse africano e concorresse à presidência num país africano? São estas perguntas que gostaria de explorar neste texto.
E se Obama fosse africano e candidato a uma presidência africana?
1. Se Obama fosse africano, um seu concorrente (um qualquer George Bush das Áfricas) inventaria mudanças na Constituição para prolongar o seu mandato para além do previsto. E o nosso Obama teria que esperar mais uns anos para voltar a candidatar-se. A espera poderia ser longa, se tomarmos em conta a permanência de um mesmo presidente no poder em África. Uns 41 anos no Gabão, 39 na Líbia, 28 no Zimbabwe, 28 na Guiné Equatorial, 28 em Angola, 27 no Egipto, 26 nos Camarões. E por aí fora, perfazendo uma quinzena de presidentes que governam há mais de 20 anos consecutivos no continente. Mugabe terá 90 anos quando terminar o mandato para o qual se impôs acima do veredicto popular.
2. Se Obama fosse africano, o mais provável era que, sendo um candidato do partido da oposição, não teria espaço para fazer campanha. Far-Ihe-iam como, por exemplo, no Zimbabwe ou nos Camarões: seria agredido fisicamente, seria preso consecutivamente, ser-Ihe-ia retirado o passaporte. Os Bushs de África não toleram opositores, não toleram a democracia.
3. Se Obama fosse africano, não seria sequer elegível em grande parte dos países porque as elites no poder inventaram leis restritivas que fecham as portas da presidência a filhos de estrangeiros e a descendentes de imigrantes. O nacionalista zambiano Kenneth Kaunda está sendo questionado, no seu próprio país, como filho de malawianos. Convenientemente "descobriram" que o homem que conduziu a Zâmbia à independência e governou por mais de 25 anos era, afinal, filho de malawianos e durante todo esse tempo tinha governado 'ilegalmente". Preso por alegadas intenções golpistas, o nosso Kenneth Kaunda (que dá nome a uma das mais nobres avenidas de Maputo) será interdito de fazer política e assim, o regime vigente, se verá livre de um opositor.
4. Sejamos claros: Obama é negro nos Estados Unidos. Em África ele é mulato. Se Obama fosse africano, veria a sua raça atirada contra o seu próprio rosto. Não que a cor da pele fosse importante para os povos que esperam ver nos seus líderes competência e trabalho sério. Mas as elites predadoras fariam campanha contra alguém que designariam por um "não autêntico africano". O mesmo irmão negro que hoje é saudado como novo Presidente americano seria vilipendiado em casa como sendo representante dos "outros", dos de outra raça, de outra bandeira (ou de nenhuma bandeira?).
5. Se fosse africano, o nosso "irmão" teria que dar muita explicação aos moralistas de serviço quando pensasse em incluir no discurso de agradecimento o apoio que recebeu dos homossexuais. Pecado mortal para os advogados da chamada "pureza africana". Para estes moralistas – tantas vezes no poder, tantas vezes com poder - a homossexualidade é um inaceitável vício mortal que é exterior a África e aos africanos.
6. Se ganhasse as eleições, Obama teria provavelmente que sentar-se à mesa de negociações e partilhar o poder com o derrotado, num processo negocial degradante que mostra que, em certos países africanos, o perdedor pode negociar aquilo que parece sagrado - a vontade do povo expressa nos votos. Nesta altura, estaria Barack Obama sentado numa mesa com um qualquer Bush em infinitas rondas negociais com mediadores africanos que nos ensinam que nos devemos contentar com as migalhas dos processos eleitorais que não correm a favor dos ditadores.
Inconclusivas conclusões
Fique claro: existem excepções neste quadro generalista. Sabemos todos de que excepções estamos falando e nós mesmos moçambicanos, fomos capazes de construir uma dessas condições à parte.
Fique igualmente claro: todos estes entraves a um Obama africano não seriam impostos pelo povo, mas pelos donos do poder, por elites que fazem da governação fonte de enriquecimento sem escrúpulos.
A verdade é que Obama não é africano. A verdade é que os africanos - as pessoas simples e os trabalhadores anónimos - festejaram com toda a alma a vitória americana de Obama. Mas não creio que os ditadores e corruptos de África tenham o direito de se fazerem convidados para esta festa.
Porque a alegria que milhões de africanos experimentaram no dia 5 de Novembro nascia de eles investirem em Obama exactamente o oposto daquilo que conheciam da sua experiência com os seus próprios dirigentes. Por muito que nos custe admitir, apenas uma minoria de estados africanos conhecem ou conheceram dirigentes preocupados com o bem público.
No mesmo dia em que Obama confirmava a condição de vencedor, os noticiários internacionais abarrotavam de notícias terríveis sobre África. No mesmo dia da vitória da maioria norte-americana, África continuava sendo derrotada por guerras, má gestão, ambição desmesurada de políticos gananciosos. Depois de terem morto a democracia, esses políticos estão matando a própria política. Resta a guerra, em alguns casos. Outros, a desistência e o cinismo.Só há um modo verdadeiro de celebrar Obama nos países africanos: é lutar para que mais bandeiras de esperança possam nascer aqui, no nosso continente. É lutar para que Obamas africanos possam também vencer. E nós, africanos de todas as etnias e raças, vencermos com esses Obamas e celebrarmos em nossa casa aquilo que agora festejamos em casa alheia.
Mia Couto

20 de novembro de 2008

Ai se a moda pega com os filhos dos políticos portugueses...

Dmitri Nabokov, o filho de Vladimir Nabokov, planeia publicar em 2009 a última novela inacabada de seu pai, “The original of Laura”, isto apesar de, segundo a BBC, o escritor ter pedido para que fosse queimada.

18 de novembro de 2008

El Amor Brujo

Manuel de Falla

El Amor Brujo, Danza del Fuego Fatuo

El Amor Brujo é uma obra emblemática. Pela inovação, porque representa uma viragem na música ibérica traduzida num desvinculamento das tradições recebidas dos cânones da música clássica herdados do romantismo, mas sobretudo porque incorpora as tradições do flamenco andaluzo numa base clássica, assumindo marcadamente a fusão de dois estilos tão diferentes, sem contudo recorrer ao uso de qualquer sonoridade musical tradicional na música andaluza (não há castanholas, nem tamborinos, nem palmas, nem batida de pés no solo, nem sinos), embora os mesmos sejam perceptíveis através da interpretação de outros instrumentos como o piano, cordas ou metais. A grande riquezas da obra resulta ainda desse aspecto, da subsunção da alma flamenca em instrumentos não tradicionais na folk music, de uma forma quase subliminar.

A peça musical traduz diversos estados de alma dos personagens, os quais mudam ligeiramente entre os diversos "episódios", donde as ligeiríssimas variações entre frases musicais cuja percepção nem sempre é evidente.

A princípio, a obra, encomendada por uma bailarina cigana (Pastora Imperio), não foi bem recebida pelo público, mas os sucessivos acertos que lhe foram introduzidos por Falla levaram a que se tornasse num ícone a partir da segunda década do séc. XX, quando o compositor a transformou numa peça de ballet a acompanhar por uma orquestra inteira. A peça requer, quando interpretada a solo, bastante virtuosismo, patente de resto na tardia Dança Ritual do Fogo, brilhantemente interpretada por Arthur Rubinstein (e por ele retocada a versão para piano). Rubinstein travou conhecimento com Falla entre 1915 e 1916 aquando de uma digressão deste por Espanha, a caminho do vapor que o levou em 1916 para uma digressão no continente Sul Americano e tornou-se seu admirador.

No dia da estreia de El Amor Brujo, em 15 de Abril de 1915, em Madrid, o jornalista Rafael Benedito entrevistava Manuel de Falla para o La Patria: "Hemos hecho una obra rara, nueva, que desconocemos el efecto que pueda producir en el público, pero que hemos "sentido".

Falla compôs diversas versões de El Amor Brujo para orquestra grande, reduzida, coro e ballet e uma delas, uma versão para sexteto, foi estreado em Lisboa, em 1915.

Como R. M. Rilke, também Falla teve uma cidade sonhada, que no seu caso era Granada, segundo palavras da sua companheira: Una mañana de abril [...] dije: "Hoy vamos a visitar la Alhambra". Y allá fuimos [...]. Al llegar a las puertas de lo que fue palacio y fortaleza, dije a mi compañero de peregrinación: "Déme usted la mano, cierre los ojos y no vuelva a abrirlos hasta que yo le avise". Consintió en mi capricho, divertido como chiquillo que juega a ser ciego [...]. Condújele a la ventana central [de la Sala de Embajadores en la Torre de Comares] [...] "¡Mire usted!", dije soltando la mano de mi compañero. Y él abrió los ojos. No se me olvida el ¡aaah! que salió de su boca. Fue casi un grito.
MARTÍNEZ SIERRA, María. Gregorio y yo. Medio siglo de colaboración. Valencia, Pre-Textos, 2000, p. 195.

9 de novembro de 2008

Há sempre um mar por trás de cada sonho
uma planície debaixo de cada nuvem
uma lágrima em cada presságio
Há muito não pernoitava aqui
tacteando a claridade do mar
Onde terminará esta visão?

8 de novembro de 2008

Vendée Globe

Um homem, um barco, três oceanos, uma volta ao mundo,

24.000 milhas sem assistência e sem escalas


6 de novembro de 2008

O excesso de luz é uma treva.

Omer Granot

Falésia das Várzeas de Quarteira, o mar às 08.15h
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Omer Goldman tem 19 anos. Regressa hoje a uma base militar para um terceiro ciclo de 21 dias de detenção. Recusa-se a servir num "exército de ocupação". É mais um desgosto para o seu pai, que desistiu de ser chefe dos espiões de Israel. Um relato na primeira pessoa:
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O meu pai é Natalin Granot, um especialista em Irão que se demitiu de "número dois" da Mossad, em 2007, quando não o promoveram a chefe da principal agência de espionagem de Israel. Eu, Omer Goldman, 19 anos, sou uma pacifista e, hoje, regresso à prisão nº 400, numa base militar próxima de Telavive. Recuso-me a servir num exército que comete, todos os dias, crimes de guerra nos territórios palestinianos ocupados.
Fui recrutada para o serviço militar obrigatório aos 18 anos, mas já no liceu eu decidira que não queria ir para a tropa. Assim que deixei a escola, e antes de me inscrever na faculdade, dei aulas a crianças pobres num bairro de judeus etíopes. Quando me chamaram, entreguei uma declaração aos oficiais onde afirmava: "Recuso alistar-me nas Forças de Defesa de Israel (IDF). Não farei parte deste exército que, desnecessariamente, pratica actos de violência e viola os mais básicos direitos humanos."No dia 23 de Setembro, sem ter sido julgada, fui cumprir 21 dias de detenção. Fui libertada a 10 de Outubro, mas voltei para um segundo período, desta vez apenas de 14 dias, porque fiquei doente. Saí novamente em liberdade, na sexta-feira, dia 30 de Outubro. Estes ciclos irão repetir-se até que o exército se canse, porque eu não vou desistir. Conheço pessoas que passam muito tempo reclusas. Um exemplo é Jonathan "Yoni" Ben-Artzi, sobrinho do líder da oposição, Benjamin Netanyahu. Esteve detido um total de 18 meses ao longo de oito anos. Em 2007, conseguiu que o Supremo Tribunal validasse os seus argumentos para não ser soldado (ele era completamente contra qualquer forma de luta - nem quando era miúdo aceitou aulas de judo), mas fracassou no intuito de ver reconhecido o estatuto de objector de consciência em Israel.
Neste país, as IDF são um "exército do povo", quase mitológico. Não podemos recusar-nos a servi-lo por motivos políticos. Há quem cite David Ben Gurion, o primeiro chefe de Governo, para justificar que um exército politizado não permite a sobrevivência da nação, e que quem quer ser um dissidente político deve levar as suas causas para o terreno civil. Mas foi Ben Gurion que permitiu a isenção do serviço militar aos ultra-ortodoxos que frequentem as yeshivot ou escolas talmúdicas. É um sistema de dois pesos e duas medidas, que favorece os religiosos porque eles têm peso político.
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Uma bala de borracha
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Eu soube que seria para sempre uma refusenik depois de ter participado num protesto contra a construção ilegal do muro de separação que atravessa a Cisjordânia. Eu e outras amigas estávamos na aldeia de Ni'alim e, de repente, reparei que o inimigo não eram os palestinianos sentados ao meu lado, como sempre me disseram, mas um soldado israelita que disparou contra mim uma bala de borracha. Fiquei ferida num braço, felizmente sem gravidade, mas uma palestiniana de 17 anos foi morta. As balas de borracha matam como as munições reais.
As minhas convicções ficaram mais fortes depois da Segunda Guerra do Líbano, no Verão de 2006. Comecei a questionar a sério a ética do exército, o uso de armas não convencionais, o envio de soldados para a frente de batalha onde morriam sem objectivos definidos. Comecei a ir mais aos territórios ocupados, e vi soldados a disparar sobre civis inocentes.
Antes de ser detida, procurei apoio psicológico, todas as semanas, durante um mês. A terapia deixou-me mais calma e mais forte. Sinto que a prisão será uma experiência, para o bem ou para o mal, que me deixará mais adulta.
A última coisa que fiz antes de entrar na minha cela foi deliciar-me com um prato de hummus [pasta de grão com azeite] - a minha comida favorita. Quando me libertaram, fui para uma festa dançar e ver pessoas que me fizeram sentir bem. Perdi muitos amigos, e até familiares, por causa das minhas posições. Aqui, em Israel, todos pensam que todos devemos ser soldados.
Depois do divórcio dos meus pais, eu vivo com a minha mãe em Ramat HaSharon, localidade de gente rica, nos arredores de Telavive. Ela compreende-me, mas tem medo que me façam mal. Tenho uma irmã mais velha, de 27 anos, que já foi militar e não vive connosco. Eu gosto muito do meu pai, mas ele nunca me foi ver à prisão, ao contrário da minha mãe. Ficou escandalizado por eu ser uma refusenik. Afinal, ele era uma espécie de general. É claro que se opõe, veementemente, ao que eu faço, mas a relação afectiva pai-filha nunca foi abalada. Também não creio que a carreira do meu pai seja prejudicada pelas minhas acções, embora eu tenha a certeza de que o meu caso está a ter mais repercussão pública por eu ser filha de Natalin Granot. Ele já se demitira em Junho de 2007. Segundo o escritor e jornalista israelita Igal Sarna, o meu pai era um operacional da Mossad que os jornais identificavam apenas como N. Subiu até chegar a adjunto do "número um", Meir Dagan, e sucessor designado. Ao contrário do que se esperava, Dagan não se reformou. Permaneceu no cargo e o meu pai preferiu demitir-se. Não havia lugar para dois "patrões" com demasiado poder.
E, para avaliar o poder do rival do meu pai, leia-se o que disse - numa sala em que a audiência explodiu de aplausos - o colunista político Emmanuel Rosen, que fez parte do painel de jurados que, em Outubro, atribuiu a Meir Dagan o prémio Man of the Year (Homem do Ano) de Israel. "Ele ganhou fama por cortar cabeças de palestinianos com uma espada japonesa. Ele nasceu com uma faca entre os dentes".
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Uma farda americana
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Não chamem à minha atitude uma rebeldia de adolescente ou um acto de revolta por o meu pai ter saído de casa da minha mãe. É muito mais do que isso. Fui uma de 40 estudantes liceais que assinou a "Declaração 2008 dos Alunos do 12º ano" - altura em que somos recrutados pelo exército. Foi em Abril de 1970 que surgiu a primeira iniciativa, com carta enviada à primeira-ministra Golda Meir. Causou imenso furor. Já era um protesto contra a ocupação da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, conquistadas na guerra de 1967. Depois disso, houve mais três declarações, embora já não haja tanta polémica.Na prisão - uma prisão para raparigas dentro de uma prisão para rapazes -, tenho sorte porque estou com mais quatro alunas signatárias da "Declaração 2008", e duas delas são grandes amigas minhas, Tamar Katz e Mia Tamarin. É engraçado porque só enviam para aqui os "mais perigosos". Como podem classificar-nos como perigosas se somos pacifistas? Somos 60 raparigas no total, entre os 19 e os 20 anos, divididas em dois grupos de 30 para duas celas. Dormimos em colchões no chão e, todas as noites, uma de nós tem de ficar acordada para vigiar as outras... envergando um uniforme do exército norte-americano! É engraçado, não é? Acordamos às 5 da manhã e fazemos limpezas até à hora do pequeno-almoço. Retomamos as limpezas até à hora do almoço, e depois novamente até à hora do jantar. Na realidade, não há nada para limpar. Fingimos que limpamos - e nisto desperdiçamos imensa água, que Israel não tem - ou então pintamos umas pedras e tijolosTodos os que nos guardam são mulheres. Para mim, são elas as prisioneiras, e não nós. Questionam a nossa lealdade ao Estado e à religião. Gritam connosco a toda a hora e por razão nenhuma. Espezinham os nossos direitos, negando-nos o acesso a advogados. Só conseguimos, e nem sempre, alguns minutos por dia para falarmos com a família. Há um telefone fixo, quase sempre ocupado. Não há autorização para usar telemóvel. Podemos ler os livros que trazemos, mas as cartas que nos enviam do exterior são abertas previamente e nem sempre chegam até nós. Eles, os comandantes, não querem ceder porque sabem que, se o fizerem, estão a reconhecer que estão errados.Sonhos bonitos sem DeusNão somos sujeitas a tortura física, mas frequentemente conseguem quebrar-nos o espírito. Vamos dormir por volta das 22h00-23h00. Não somos nós que decidimos apagar a luz, nem quando podemos ir à casa de banho. São as guardas. Não é difícil adormecer porque quando caímos na cama estamos exaustas. Eu não tenho pesadelos. Só sonhos bonitos. Sonho que sou livre e estou a viajar pelo mundo. Quando me sinto mais triste, penso em coisas boas.Na prisão, nenhuma de nós acredita em Deus. Usamos a nossa cabeça e o nosso coração para encontrar forças. Falamos muito umas com as outras, e escrevemos cartas umas às outras durante a noite. Algumas raparigas, ainda que objectoras de consciência, nunca viram a realidade violenta e opressiva nos territórios ocupados que eu testemunhei. Começam agora a aperceber-se da necessidade de exigir mais respeito pelos direitos humanos.Não quero ficar na prisão muito tempo. Se me propuserem a possibilidade de serviço cívico aceitarei. Quero participar e ser solidária com a sociedade onde vivo. Se quiserem que eu seja voluntária a vida toda, sê-lo-ei..
Gostava de ir para a faculdade, talvez estudar Direito, mas o meu grande amor é a representação. Acho que vai ser muito difícil o meu futuro num país onde as pessoas são mais conhecidas pela unidade do exército a que pertenceram do que pela profissão que exercem.Talvez dentro de dez ou 20 anos as pessoas me compreendam e deixem de pensar em termos de judeu, negro, branco, cristão... Eu não acredito que a violência se combata com a violência. Esse nunca será o meu caminho, digam o que quiserem.
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Ficarei muito feliz se me escreverem. A minha morada nos próximos dias é esta:
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Omer Granot
Military ID 5398532 Military Prison nº 400
Military Postal Code 02447, IDF
Israel
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in Público, a partir de uma entrevista com Omer Goldman por telefone e e-mail, e notícias dos jornais The Times, The Guardian, Jerusalem Post, Ha'aretz e Al-Ahram.


Angel Eyes, Leaving Las Vegas

From: Matt Dennis, Earl Brent

Performed by Sting

3 de novembro de 2008

Talvez pudesse escrever sem um porquê
ou uma razão
apenas pelo meu apelo interior
e sem nenhuma Razão
para além do que
por ora ninguém vê.
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Javier recusou o cigarro estendido pelo homem e não lhe conseguiu ver o rosto de imediato, semi coberto por um lenço enrolado em torno do pescoço.
- O Inverno vai chegando inspector jefe - atalhou o desconhecido - nem Sevilha é imune aos rigores das estações. Mas reparo que não me respondeu, tomo portanto o seu silêncio como um convite a acompanhá-lo.
- Quem é o senhor?
- Meu caro inspector jefe, esteja por favor seguro que a seu tempo terá todas as respostas que procura. Como sabe, a paciência é uma das virtudes do homem mas infelizmente neste mundo moderno em que desgraçadamente vivemos falta-nos por vezes a paciência. Veja este rio, manso, soturno, como um crocodilo prestes a lançar-se sobre a sua presa... enquanto os poetas lhe cantam louvores à quietude há centenas de anos. Não se fie no Guadalquivir, inspector jefe, há milhares de anos que ceifa vidas, a despeito do aspecto de cordeiro. Quantas almas repousam no lodo do seu fundo? A propósito, soube do óbito do comisario don Diego Cuadril, uma pena, um bom homem, competente. Conheci-o mal, na verdade apenas o vi uma vez, em circunstâncias que preferia não lhe revelar, se me entende, a intimidade de um homem não deve ser devassada por um estranho, sobretudo se esse homem se não pode defender. Que grande perda, de facto. A polícia de Sevilha vai ter dificuldade em substitui-lo. Talvez o meu bom amigo consiga uma promoção.
- Não lhe admito...
- Tem razão, perdoe-me a indelicadeza do desrespeito pela sua modéstia, mas creio-o o homem mais competente para o cargo, inspector jefe, não queria de forma alguma ofender a sua sensibilidade.
- Vai-me dizer o que pretende senhor...?
O homem puxou do maço de cigarros novamente, escolheu um e acendeu-o. Nesse escasso instante Javier conseguiu vislumbrar-lhe fugazmente o rosto, a tez acentuadamente morena, feições mestiças ou talvez árabes, a estatura média, vestindo um casaco comprido de cabedal negro, complementado por uma boina de feltro escuro ao melhor estilo parisiense, precisamente acentuada por um ligeiríssimo sotaque francês.
- Pretendo ajudá-lo, inspector jefe, a deslindar o caso dos seus mortos. Mas preciso que me ajude também.
- Não o entendo!...
- É simples inspector jefe: há uma organização a operar em Sevilha que pretende controlar um determinado sector de actividade cujos contornos não são, digamos, completamente transparentes e para rentabilizar ao máximo os seus negócios não olha a meios. É muito maior que imagina e nunca conseguirá chegar a todos os seus tentáculos, inspector jefe. A mim interessa-me eliminar uma parte da organização, que está apodrecida.
- Máfia?
- Se lhe dissesse que é a Máfia estaria a ser reducionista. A mania que temos de catalogar as coisas deixa-nos pouca liberdade para compreender a complexidade da realidade.
- Não o entendo. Seja essa realidade o que for, pretende denunciar os seus comparsas?
- Por favor, não insulte a sua inteligência inspector jefe. Proponho-lhe algo que o pode guindar ao estrelato.
- E em troca?
- Pense no assunto Don Javier. Voltarei a contactá-lo.
- Não creio que esteja interessado.
- Pense nisso inspector, pense nisso. Por ora não o maço mais. Aliás, esperam-me. As minhas desculpas por ter interrompido o seu passeio lunar. Oferecia-me de bom grado para o levar a casa, mas estou atrasado para um encontro. ALém do mais, tenho a certeza que recusaria, pelo que não insisto. Tome, por favor conserve isto e reflicta bem. Espero que o sono seja bom conselheiro, boa noite inspector jefe.
Javier estacou, segurando na mão direita o embrulho que lhe foi estendido pelo vulto. O homem percorreu agilmente a distância que o separava do passeio junto da avenida, quando a porta traseira de um mercedes preto de vidros escurecidos estacionado junto ao Paseo del Colón, em frente à Torre del Oro se abriu e o homem deslizou por ela, no que foi imediatamente seguido por outro que vigiava discretamente as redondezas junto de um quiosque de abas retorcidas em ferro pintado; assim que ambos entraram no veículo, este arrancou de imediato, apenas acendendo as luzes mais adiante, enquanto se afastava velozmente pelo que Javier apenas conseguiu vislumbrar os três últimos algarismos da matrícula: 395.
Abriu cuidadosamente o embrulho e não conseguiu evitar um calafrio quando concluiu que este conteria cerca de trinta moedas de um euro.
Líderes europeus procuram em conjunto uma solução para a crise