29 de maio de 2011

Quo Vadis, Europa?


É esta a pergunta que fica sem resposta depois de "Filme Socialismo" de Jean-Luc Godard. O que mudou é que os canalhas são sinceros, segundo o próprio. A Europa numa encruzilhada, que pode sair cara, à beira da catástrofe, representada a bordo de um navio cheio de canalhas e uma família às avessas, em cruzeiro pelo Mediterrâneo. Road movie? Nem por isso, mas entre imagens retorcidas e virais, fracassos e frustrações humanas, descobre-se que "nos humanités", maxime a liberdade, custam muito, mas mesmo muito, caro. Godard, agora nómada, vira a trajectória do seu cinema para a profecia através do socialismo da imagem?

Destaque ainda para a banda sonora, onde se destacam Dalida (na versão francesa "Que sont devenues les fleurs?" a partir do original de Pete Seeger)", Anouar Brahem ou a israelita Betty Olivero, entre outros, numa perfeita fusão de culturas mediterrânicas que se encaixa, na perfeição, no filme.

28 de maio de 2011

Zimerman interpreta Grazina Bacewicz


Grazina Bacewicz é uma compositora polaca que morreu em 1969, mas comemora-se agora o centenário do seu nascimento. A raridade de se tratar de uma compositora, judia e de pouco ter escrito para piano, mantiveram a sua divulgação a um nível pouco mais que confidencial. Zimerman resolveu pegar na complexidade do seu repertório e a Deutsche Grammophon cedeu a etiqueta, sendo o trabalho absolutamente espantoso e absolutamente essencial em qualquer colecção. Destaque para a Sonata 2. para piano que integra o álbum.

27 de maio de 2011

Árvores para o fim de semana

Um ano depois da exibição, fora do concurso, de "The Tree" de Julie Bertuccelli em Cannes, filme que não foi muito aplaudido pela crítica, eis que uma outra árvore, a árvore de Malick, surge como grande vencedor do festival francês. A crítica (uma entidade quase tão difusa como "os mercados", desta vez tem tecido os mais rasgados elogios é película, pelo que a expectativa é grande. Por ser uma história americana, pode ficar aquém das expectativas dos mais puristas (que aqui se devem entender como intelectuais). No entanto, se há filmes que através de lugares comuns (o amor, a família, o dinheiro, o sucesso, a traição) nos cansam nos primeiros minutos, "The Tree of Life" pode ser daqueles filmes que nos faz descobrir através desses lugares comuns o que ainda não descobrimos. É um daqueles filmes que nos pode fazer crescer, se o virmos de mente aberta. É esse o desafio lançado por Terrence Malick, possivelmente o único (mas gratificante) motivo pelo qual vale a pena ir ver a obra. Eis, portanto, a sugestão para o fim de semana em que estreia nas salas portuguesas.




25 de maio de 2011

Noite de Ronda


Noite de Ronda é uma noite de paixões onde homens e mulheres se espiam, se vigiam, se seduzem e desejam num ritual viciante e viciado. Os corpos atropelam-se patrulhados de segredos desnorteados, num impacto feroz onde as acções nunca se explicam. A insistência faz rolar o suor de unhas cravadas contra a pele. O espaço é íntimo, fechado, uma prisão perpétua repleta de sons compassados e violentos. Nasce o dia. Os pássaros cantam mais enervantes que nunca. O frenesi continua. O estore baixa.»

21 de maio de 2011

(ainda sobre o centenário da morte de Mahler )

...e acabamos por não conseguir terminar de escrever o que nos propuséramos inicialmente. Vinha isto a propósito do centésimo aniversário da morte de Gustav Mahler. Há dias procurava as palavras certas para descrever o compositor. Alguém me sugeriu que seria uma pessoa que tinha um ego superior à sua auto-estima. Alma Schindler, a mulher, uma vez descreveu-o como "alguém que queima quando nos aproximamos dele". Provavelmente tê-lo-á dito num desabafo de alguém que abandonou um processo criativo (era também compositora) para se dedicar às criações de outrem. Este abandono coincidiu com uma fase de declínio e pessimismo do compositor, que contudo nunca deixou de acreditar que a sua hora chegaria. E assim foi. A fase pessimista, a apatridia e o exílio voluntários (nem austríaco, nem alemão e sobretudo judeu) apenas cessaram com o reconhecimento que a partir da sua oitava sinfonia e o reconhecimento público que a sua oitava sinfonia despertou.

A estreia da oitava sinfonia, em Munique, no Outono de 1910, perante uma plateia que esgotara a lotação do Neue Musik-Festhalle, foi um sucesso extraordinário, tendo gerado uma ovação que durou mais de 20 minutos. Entre as celebridades na plateia, encontravam-se Richard Strauss, Thomas Mann, Max Reinhardt e o então desconhecido Leopold Stokowski, que meia tarde foi um fiel intérprete das suas composições. Mas havia ainda um tal Arnold Schöenberg e pensa-se que Kandinsky também se encontrava na plateia. Seja como for, foi a última vez que Mahler conduziu a estreia de um trabalho seu. Em Maio de 1911 morria em Viena. As nona e (incompleta) décima sinfonias estrearam-se apenas depois da sua morte. Efectivamente, como dissera Alma Schindler, Mahler queimava. O seu talento queimava como um pássaro de fogo que o tempo permitiu voar.

Thomas Mann escreveu, Luchino Visconti realizou. Ambos imortalizaram Mahler n'"A Morte em Veneza". Há quem veja no compositor retratado no filme uma caricatura de Mahler e da sua devastação. A ideia de corrupção dos ideais, patente na pestilência que se agrava ao longo do filme e que vitimiza o personagem principal de cólera, quase mata a ideia de beleza eterna da cidade dos canais, mas são o tema fulcral do filme. A pedra de toque, o cerne da imortalidade, acaba contudo por ser o quarto andamento da quinta sinfonia, o adagietto, que abre e encerra o filme realizado há trinta anos.

17 de maio de 2011

Wim Wenders, Pina (trailer) D

PINA - Dance, dance, otherwise we are lost - International Trailer from neueroadmovies on Vimeo.

Wim Wenders, em entrevista filmada ao Guardian:

"I never knew, with all my knowledge of the craft of film-making, how to do justice to her work. It was only when 3D was added to the language of film that I could enter dance's realm and language." 3D, with its illusion of depth, could, it was felt, open out the flatness of the cinema screen and give dance the depth and sculptural quality it needed to work cinematically...

A banda sonora pode ser ouvida aqui e o making off aqui.

Entrevista a Arnold Schöenberg

Julho de 1949


16 de maio de 2011

Os três porquinhos em Dublin

A final da Liga Europa disputa-se em palco irlandês, os dois finalistas são portugueses e agora o árbitro é espanhol. Pergunto-me que papel estará reservado para os gregos nesta final de PIGS?

Coelho, o Africano

Em campanha ontem, na Brandoa, junto das comunidades africanas, Pedro Passos Coelho disse-se "o mais africano de todos os candidatos". E isto porque, tendo a mulher nascido na Guiné, é africana. E por isso, a filha de ambos também o é. Logo, com tanta africanidade, Passos Coelho também é um africano. Mais do que a indecência e a iconoclastia, o que verdadeiramente choca é perceber quão baixo caíram as Doce.

11 de maio de 2011

À pesca das consciências


Li há dias, com interesse, que no dia da Europa, Maria Damanaki, a comissária grega da UE que lidera a pasta das pescas propôs que os pescadores desempregados europeus se dediquem a uma pesca diferente: a do plástico e outros resíduos no Mar Mediterrâneo. Um estudo franco-belga indica que há mais de 500.000 toneladas de plástico e outros resíduos à deriva no Mediterrâneo, o berço da civilização europeia e o modo de vida de tantas pessoas de um e outro lado da sua bacia. Que esses resíduos, alem de perigosos para a bio-diversidade, possuem ainda um relativamente elevado valor económico, conforme interesse já demonstrado por diversas empresas alemãs, francesas e espanholas.

Paralelamente resolve-se, ainda que parcialmente, a questão do desemprego no seio das frotas da UE.

Estava a pensar nisto quando me vieram à memória as imagens das redes do campo de refugiados de Melilla, alguns dos quais podem ser parte desses destroços, naufragados na tentativa de chegar a bom porto nas costas da Europa. E pior: que pensarão os pescadores europeus quando, nos seus aparelhos, pescarem das águas os despojos, o calçado, a roupa, os parcos haveres daquelas seis dezenas de refugiados africanos que há pouco tempo o "The Guardian" informava que andaram à deriva durante dezasseis dias perto das costas europeias e que a NATO ignorou e deixou morrer de fome e de sede?

10 de maio de 2011

Haevnen - Num mundo melhor



O filme de Susanne Bier premiado com o Óscar de melhor filme estrangeiro para 2011 é um dos imperdíveis para este ano. Situações limite no seio de duas famílias são o mote para uma película fabulosa, onde os personagens oscilam frequentemente entre a vingança e o perdão. Um casamento e uma amizade são duramente postos à prova em dois locais tão distintos quanto um campo de refugiados no Sudão ou numa cidade idílica na Dinamarca.

A complexidade das emoções humanas, a dor e a empatia entre pessoas é aquilo que sobressai num filme para gente muito crescida que tem colecionado prémios em quase todos os certames por onde passou.

7 de maio de 2011

A essência de Klimt na Behance Network

Poema sobre a recusa

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva.

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda.

(Maria Teresa Horta)

3 de maio de 2011

Ernesto Sábato, uma luz ao fundo do "Túnel"

Morreu no dia 30, em Buenos Aires, com 99 anos. Publicou várias obras, mas a mais importante, não pelo conteúdo literário, mas pelo que representou, foi o trabalho desenvolvido quando, em 1985, a convite de Raúl Alfonsin, presidiu à Comissão Nacional que publicou o relatório “Nunca Más” sobre a repressão dos governos militares na Argentina de 1976 a 1983 , que permitiu o julgamento de vários militares.

Sobre si próprio escreveu: "durante esse tempo [em que trabalhava no laboratório de Curie] de antagonismos, pela manhã sepultava-me entre eletrómetros e provetas e anoitecia nos bares, com os surrealistas delirantes. No Dome e no Deux Magots, alcoolizado com aqueles enviados do caos e da transgressão, passávamos horas a elaborar cadáveres refinados". [...] "Eu sou um anarquista! Um anarquista no sentido melhor da palavra. O povo crê que anarquista é aquele que põe bombas, mas anarquistas foram os grandes espíritos como, por exemplo, Leon Tolstoi".
(Entrevista no diário O Tempo, Bogotá, 22 de junho de 1997)