21 de fevereiro de 2008

Esta manhã, divagando por Berlim e Bertolt Brecht II

Uma tarde, numa tarde quente de Janeiro
acordei silenciosamente

nos braços da minha amante
de pele branca, muito branca,
sob a ramagem nua de um plátano
enquanto por sobre nós o sol se derramava
encerrando uma tarde perfeita.
Uma urgência fez desfazer-me do seu abraço.
Com prudência levantei
o canto da manta
dobrada em dois cobrindo-nos
e à terra
onde fizeramos o leito.
Com passos de fauno afastei-me
aspirando o cheiro da erva fresca.

Enquanto isso, à distância de uma eternidade apenas aparente, no 3 Groschen Bar, Bertolt e Weil abrem a sua terceira garrafa de vinho ao cair da noite. Weil senta uma dançarina de formas generosas ao colo, enquanto Bertolt está indiferente ao que o rodeia. Pensa em remoinho tumultuoso num filho distante, a Sul de Munique, e numa encenação próxima que estreará em breve. E também na conversa telefónica com Charlie nessa tarde. O americano mostrou-se entusiasmado com a sua obra e deseja que o ajude na montagem de uma peça no Verão que vem. Os olhos profundos de Bertolt poisam no rebordo do copo meio vazio, no instante em que um riso nervoso de mulher o arranca aos seus pensamentos. Junto ao balcão, uma loira que já antes ali vira conversa animadamente com um oficial do exército alemão. Eva, assim se chama, meneia a cabeça de um lado para outro e, por vezes, distraidamente poisa a longa boquilha nos lábios carnudos soprando o fumo na direcção do oficial que, a custo, pacientemente, contém a sua tosse. Por fim, quando o cigarro se extingue, Eva cobre-se com um pesado casaco de pele de arminho e afasta-se com o oficial, equilibrando o passo periclitante no braço deste. Atravessa, com uma breve hesitação, a porta da rua, sentindo-se a aragem fria de Janeiro a penetrar no espaço. Sam, o pianista, atrasa-se meio tempo no compasso, o suficiente para Weil lançar um olhar reprovador na sua direcção. Bertolt levanta-se num fulgor e de rompante dirige-se para a saída, vestindo apressadamente o casaco. Na noite fria que já caiu, apressa o passo seguindo as pegadas gravadas na neve fresca, dobrando a esquina próxima a tempo de ver um Daimler negro com insignias oficiais gravadas a afastar-se com duas silhuetas dentro. Bertolt pressente que são horas de partir de Berlim. Nunca mais verá Eva, a não ser em fotografias de jornais, anos mais tarde, ao lado de um oficial baixo, de bigode curto. Suicidar-se-á a seu lado, num bunker escondido da cidade em escombros.

Antes do Sol desaparecer, acabo
a gravação das nossas iniciais na casca grossa do plátano
alto, muito alto no tronco
a tocar o céu.
A leveza da tarde dissipa-se
enquanto cai um nevoeiro branco.
Quando olho novamente, ela partiu
permanecendo apenas o seu odor na manta
que levo ao rosto
em silêncio.

Sem comentários: