Miguel Sousa Tavares corre o risco de ser condenado por difamar o presidente da república. Ter-lhe-á atribuído o epíteto de palhaço. A wikipedia define a figura do palhaço de forma assaz simplista e a Priberam encontra várias definições para a profissão. O problema é que Cavaco vem-se colocando a jeito desde que foi fazer a célebre rodagem do Citroen à Figueira da Foz, em 1995, formou governo e se rodeou da maior seita de malfeitores de que há memória no país. Não vale, obviamente, a pena recordar os episódios dos seguranças, da crise da ponte, dos seus tristes tabus, do BPN, das ações vendidas com mais-valias, do episódio da moradia na Praia da Coelha, da vivenda Mariani, da forma como foi pedida a fiscalização da constitucionalidade do último orçamento, da trapalhada que isso representou, ou o bolo-rei atravessado nas maxilas do presidente. Nada disso foi, na opinião de Cavaco, suficientemente burlesco e só por si não justificava o epíteto, pelo que MST deve, obviamente, ser condenado por desrespeito da figura presidencial.
Evidentemente, devem tambem ser doravante ser condenados todos aqueles que de ora em diante se referirem a Dom Sebastião como um efeminado, a Dom João VI como um desertor ou a António de Oliveira Salazar como um ditador sanguinário. O próprio Marquês não escaparia a um título menos edifcante depois da responsabilidade que lhe é hisotoricamente atribuída na tragédia dos Távoras.Todos eles foram figuras de proa da nação e portanto qualquer ofensa ou comentário negativo no tom referido pode ser interpretado como uma ofensa a uma insígnia nacional e portanto suscetível de determinar a punição do autor de qualquer comentário menos digno para a figura em causa. Está assim salvaguardada - com as devidas diferenças - a honra de figuras como Adolfo Hitler, Estaline ou Hugo Chavez, todos eles democraticamente eleitos.
Obviamente, a questão vai muito para além disso e vai ao ponto de ser necessário separar a figura do PR da figura do cidadão Cavaco Silva. E este não se pode simultaneamente travestir de uma pele e de outra, consoante as suas conveniências. Dito de outra forma, a Cavaco e aos demais políticos dee ser vedado mimetizarem-se como lhes convem, sob pena de estar em causa a transparência do exercício das suas profissões e de uso inadmissível das imunidades conferidas pelos seu mandatos. Assim, uma vez na arena politica (para que não restem dúvidas, não estou a chamar os bois pelos nomes), aos políticos exige-se que se comportem como tal e não como artistas de um circo que a política, claramente, não pode ser - com todo o respeito pelos artistas de circo e sem querer com isto limitar a escolha da profissão que cada homem pode livremente eleger, dado que um politico pode ter preferência por malabaristas, equilibristas, trapezistas, mestres de cerimónias ou as duas vertentes da carreira de palhaço, o pobre e o rico.
Cavaco podia ter dito que não era um palhaço e justificava, se entendesse necessário, que a expressão não se lhe cola, escolhendo outra profissão, que não a da PR obviamente, cujos desígnios, lhe escapam por completo. E com isso o assunto se encerraria. Com a sua atitude, conseguiu colocar o país a discutir se é um palhaço ou não e, na melhor das hipóteses, será um magistrado a decidir se Miguel Sousa Tavares tem razão. Não sei porquê, talvez, como diz o povo português, Cavaco se tenha colocado nos cornos do boi (e não lhe estou a chamar toureiro) e o episódio seja um espinho cravado na sua desejada reforma dourada.